terça-feira, 2 de julho de 2013

Bertrand Russel e trechos de Hamlet

Bertrand Russel    
 
Filosofia é uma palavra que tem sido empregada de várias maneiras, umas mais simples, outras mais restritas. Pretendo empregá-la no seu sentido mais amplo, como procurarei explicar adiante.
"A filosofia, como entendo a palavra, é algo intermediário entre a Teologia e a Ciência. Como Teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como Ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido - eu o afirmaria --- pertence à Ciência; e todo dogma, quanto que ultrapassa o conhecimento definido, pertence á Teologia. Mas entre a Teologia e a Ciência existe uma Terra de ninguém : é a Filosofia, Quase todas as questões do máximo interesse para os espíritos  especulativos são de tal índole que a Ciência não as pode responder, e as respostas confiantes dos teólogos já não nos parecem tão convincentes como o eram nos séculos passados. Acha-se o mundo dividido em espírito e matéria. E, supondo-se que assim seja, que é espírito e que é matéria? . Acha-se o espírito sujeito a matéria, ou é ele dotado de forças independentes?. Possui o universo alguma unidade ou propósito?. Está ele evoluindo rumo a alguma finalidade?. Existem realmente leis da Natureza, ou acreditamos nela devido unicamente ao nosso amor inato pela ordem? É o homem o que ele parece ser ao astrônomo, isto é, um minúsculo conjunto de carbono e água a rastejar, impotentemente, sobre um pequeno planeta sem importância,? Ou é ele o que parece ser a Hamlet?¹ Acaso é ele, ao mesmo tempo, ambas as coisas? Existe uma maneira de viver que seja nobre e outra que seja baixa, ou  todas as maneira de viver são simplesmente inúteis?  Se há um modo de vida nobre, em que consiste ele, e de que maneira realizá-lo? Deve o bem ser eterno, para merecer o valor que lhe atribuímos, ou vale a pena procurá-lo, mesmo que o universo se mova, inexoravelmente, para a morte? Existe a sabedoria, ou aquilo que nos parece tal não passa do último refinamento da loucura? Tais questões não encontram respostas nos laboratórios.
"As Teologias tem pretendido dar respostas, todas elas demasiado concludentes, mas a sua própria segurança faz com que o espírito moderno as encare com suspeita. O estudo de tais questões, mesmo que não se resolvam estes problemas, constitui o empenho da Filosofia.
"Mas por que, então, --- poderíamos perguntar ---- perder tempo com problemas tão insolúveis? A isto poder-se-ia responder  como historiador ou como o indivíduo que enfrenta o terror da solidão cósmica.
"A resposta do historiador, tanto como me é possível dá-la, aparecerá no decurso desta obra. Desde que o homem tornou-se capaz de livre especulação, suas ações, em muitos aspectos importantes, têm dependido de teorias relativas ao mundo e à vida humana, relativas ao bem e ao mal. Isto é tão verdadeiro em nossos dias quanto em qualquer época anterior. 
Para compreender uma época ou uma nação, devemos compreender sua filosofia e, para isto, temos de ser até certo ponto, filósofos. Há uma relação causal recíproca. As circunstãncias da vida humana contribuiem muito para determinar a sua filosofia, mas, inversamente, sua filosofia muito contribui para determinar tais circunstâncias."

Russel Bertrand, História da Filosofia Ocidental, tradução de Brenno  Silveira, Cia. Ed.Nacional, São Paulo, 1957, 1 , p.XI. 

Trechos  de Hamlet;

"Nas tábuas da minha memória deve ficar gravado que um homem pode sorrir, sorrir e ser um celerado; pelo menos na Dinamarca!"
 
"Hamlet = Horácio, és o homem mais justo entre todos que já conheci.
Horácio = Meu amado senhor.
Hamlet = És, de fato. Não julgues que é lisonja. Que vantagem teria eu em adular alguém como ti, que não tens outras  rendas senão o teu bom humor para te alimentar e vestir? Quem adularia um pobre? Não, isso é bom para as línguas de açúcar que gostam de lamber a pompa estúpida  e para os joelhos de sebo que se curvam perante a recompensa que vem logo depois da bajulação. Percebes?Desde que a minha alma ficou dona de si e soube distinguir os homens, marcou-te com o seu selo, pois, em ti viu alguém que por sofrer, nada sofre, alguém que agradece à sorte tanto a derrota quanto as recompensas: e bem aventurado seja o homem cuja razão e paixão estão em tal equilíbrio que não se pareça com essas sanfonas nas quais a Fortuna toca as árias que quer. Mostra-me um homem que não seja escravo de suas paixões e eu o guardarei bem no fundo de meu peito, bem dentro do coração, como guardo a ti".   


"Hamlet = Mais um crânio. Poderia ser de um advogado. Onde estão agora os seus Hábeas corpus, os subterfúgios, as manhas, os truques e todo o seu latim? Como pode ele permitir, agora, que este biltre grosseiro lhe bata na moleira com o seu sujo instrumento, sem denunciá-lo por lesões corporais? Hum, pode ser que no seu tempo este homem de bem tenha tenha sido um grande comprador de terras, com seus avais, instrumentos legais, hipotécas, garantias, obrigações, multas e indenizações. E o aval de seus avais, a indenização das suas indenizações é agora ver o seu crânio forrado de imundície. E o que mais lhe garantem todas as suas fianças e garantias, além desse pedacinho de terra com tanto de largura e tanto de comprimento? Os próprios títulos de propriedade que ele tinha mal caberiam no caixão, e o ocupante não merecia mais?
Horácio = Nem um pouquinho mais, senhor ."


( 1996 Editor Int. D.E.L. International Publishers ltda)
    

Um comentário:

  1. Meu caro, sem dúvidas, afirmo; o texto por vós produzido é, essencialmente, filosófico! Oximoros e indagações que refletem o âmago da existência humana, ou pelo menos, do gênero Homo Sapiens sapiens. Vida Loka!

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