quinta-feira, 27 de junho de 2013

Música e o Latim

                          

                                        A música e o latim
                                                                                   Omnis ars naturae imitatio est. (Sêneca)

A noção que hoje se tem da música como "uma organização temporal de sons e silêncios" não é nova. Civilizações muito antigas já se aproximaram dela, descobrindo os elementos musicais e ordenando-os de maneira sistematizada. Os historiadores têm encontrado inscrições as quais indicam que um caráter nítidamente ritualístico impregnava a maior parte da criação musical da Antiguidade.
Por muito tempo as formas instrumentais permaneceram subdsenvolvidas. Predominava a música vocal. Essa forma, adicionando à música o reforço das palavras, era mais comunicativa e as pessoas assimilavam-na melhor. Assim se explica o grande desenvolvimento que atingiu entre os antigos.
Os povos de origem semita cultivavam a expressão musical, tornando-a bastante elaborada. Os que habitavam a Arábia, principalmente, distinguiram-se pela criatividade. Possuíam uma ampla variedade de instrumentos e dominavam diferentes escalas. Segundo parece, tocavam sobretudo para dançar, pois foi entre eles que surgiu a "Suíte de Danças", um gênero que sobrevive ainda hoje.
A Bíblia Bible.malmesbury.arp.jpg mostra que também os judeus tinham a música como hábito. Davi fala sobre ela nos "Salmos", e diversas outras passagens bíblicas contêm menções a respeito.
Na China, o peculiar era a própria música, devido à sua monumentalidade. Os chineses utilizavam nada menos que 84 escalas (o sistema tradicional da música ocidental dispunha de apenas 24). a variedade da sua instrumentação era imensa. E já por volta do ano 2255 a.C. o domínio sobre a expressão musical atingia tal perfeição entre eles, que sua influência se estendia por todo o Oriente, moldando a música do Japão, da Birmânia, da Tailândia e de Java.

          A LIRA E A LÍRICA NA GRÉCIA

Mas indiscutivelmente, foram os gregos que estabeleceram as bases para a cultura musical do Ocidente. A própria palavra música nasceu na Grécia, onde "Mousikê" significa "A Arte das Musas", abrangendo também a poesia e a dança. O ritmo era o denominador comum das três artes, fundindo-as numa só. Dessa forma a Lírica era um gênero poético, mas seu traço principal era a melodia e até seu nome deriva de um instrumento musical a Lira . como os demais povos antigos os gregos atribuíam aos deuses sua música, definindo-a como uma criação integral do espírito, um meio de alcançar a perfeição.
Seu sistema musical apoiava-se numa escala elementar de quatro sons - o Tetracorde. Da união de dois tetracordes formaram-se escalas de oito notas, cuja riqueza sonora já permitia traçar linhas melódicas. Estas escalas mais amplas os  Modos - tornaram o sistema musical grego conhecido posteriormente como Modal.
O canto prendia-se a uma melodia simples, a Monodia, pois os músicos da Grécia, ignoravam as combinações simultâneas de sons (harmonias). Mas nem por isso deixavam de caracterizar com seus Modos um sentido moral - o Ethos -, tornando os ritmos sensuais, religiosos, guerreiros, e assim por diante.
Uma vez que os ritos religioso quase não mudavam, conservando a tradição, com o tempo criaram-se melodias-padrão, muito fáceis e conhecidas de todos. Eram os Nomoi, cujo acompanhamento se fazia com a Cítara e o Aulos.

A cítara descendia da lira e, como ela, tinha cordas. O aulos era um instrumento de sôpro, ancestral do nosso oboé.
Partindo dos Nomoi, a música da Grécia evoluiu para a lírica solista, o canto conjunto e o solo instrumental. Depois, vieram as grandes tragédias inteiramente cantadas, que marcaram o apogeu da civilização helênica (do século VI ao século IV a.C.).

Daí por diante, a decadência do povo encaminhou a música da Grécia para o individualismo e o culto às aparências. Parecendo prever a dominação que lhes seria imposta pelos romanos, os gregos ironizavam a sua própria destruição.     

Vale anotar que, “A música não teve seu uso restrito aos gregos, no Egito, por volta de 1880, foi encontrado um papiro , datado de 4500 a. C., que revelava uma organizada estrutura de utilização de um sistema de sons e músicas, instrumentais e vocais, utilizada no tratamento de problemas emocionais e espirituais.2 
2 Revista nº1, Terapia Musical, pág. 2, São Paulo, Editora Digerati, 2002.

       MELODIA - UM INSTRUMENTO DE FÉ

O cristianismo mostrou ao homem um mundo interior que ele desconhecia, e essa revelação transformou a sua visão de si mesmo, bem como a sua posição face às coisas.
Movidos por esse novo modo de ser, os primeiros cristãos desenvolveram sua própria arte com o objetivo de exteriorizar não somente sensações, mas sentimentos de integração religiosa. Esta ideologia que se generalizou nos séculos iniciais da Idade Média foi a causa de origem da monodia cristã.

Os Hinos e Cânticos da nova concepção musical inspiravam-se nos Salmos da Bíblia. Solo e Côro, ou Coros alternados, dialogavam nas orações musicadas, sendo que a participação de um dos grupos vocais às vezes não ia além dos "aleluias" e "améns" que marcavam o fim de cada passagem.

Aos poucos, formaram-se artistas profissionais que aperfeiçoaram o canto das melodias. A princípio, dividiram o texto em sílabas, atribuindo apenas um som a cada uma delas (canto silábico). Mais tarde, por influência da música oriental, as sílabas já reuniam vários sons, enriquecendo-se com um ornamento vocal (melisma).

Os grandes centros da Igreja - Bizâncio, Roma, Antioquia e Jerusalém - eram também os grandes centros da música, cada qual com sua liturgia musical particular.
No século IV, em Milão, Santo Ambrósio criou um estilo que tomou o seu nome - ambrosiano. Na mesma época, Santo Hilário compunha na França uma música de características diferentes - o chamado estilo galicano. E três séculos depois, na Espanha, Santo Isidoro seguiria uma terceira tendência - o estilo moçárabe.

Contudo, foi em Roma que se estabeleceram os padrões que deram ao canto litúrgico da Igreja Romana uma forma fixa. Quem os organizou foi o fundador da ScholaCantorum, Papa Gregório Magno - o que explica o nome de Canto Gregoriano (vídeo) com o qual se tornou conhecido esse gênero musical. Caracterizava-se por uma melodia linear e plana - o "cantus planus". Por isso chamam-no também, mais tarde, de cantochão.

     "ARS ANTIQUA" - ANTIGA SÓ NO NOME

Ao longo dos séculos e sob a influência de novas maneiras de cantar, o Gregoriano se modificou, mas conservando o seu caráter monódico, uma vez que ele favorecia a concentração religiosa. No século XIII, certos contracantos clandestinos se infiltraram na melodia tradicional, subvertendo a liturgia que fixava os Tons da Igreja. Com reprovação, os religiosos viram também que sua música começava a denotar traços da criação musical erudita que se cultivava nos castelos e até das canções populares dos aldeões.
Livre da rigidez litúrgica, esta música profana que podia reunir várias melodias no mesmo canto era uma escapada na direção da polifonia. E o povo, ajudado pelos trovadores, acabaria impondo sua fusão com o canto tradicional.

Apesar de todos os progressos feitos no campo musical durante esse período, a História registrou-o com o nome em latim "Ars Antiqua" (arte antiga). Na verdade, ao fim do século a música já era uma arte nova.
Grande parte dos avanços da "Ars Antiqua" deve ser atribuída ao Mestre Leoninus e a seu aluno, Perotinus, que trabalhavam na Catedral de Notre-Dame, em Paris. Mas, esses dois compositores, assim como outros da Idade Média, não puderam ir muito longe, tolhidos pela precariedade dos meios de escrita musical. Havia sistemas de notação, mas eram ruins.

                                                   Histórico   

Parece ter sido originário da Índia a idéia de fixiar os sons pela escrita. Os indus designavam as notas da goma (escala) usada com caracteres sâncritos. Como tudo na Índia era simbólico a escala era personificada na deusa Svaragrama e as ninfas Svoras personificavam as setes notas, com a primeira sílaba de seus nomes, a saber: Sôrdja, Richalba, Gandhôra, Madhyama, Pãnchama, Daivãta, Nichada etc..





 Outro povo, os persas chamavam a música de “a ciência dos círculos”, tinham imaginado introduzir nove linhas na pauta, cada qual de uma cor diferente, representando as cores do arco-íris com nome dos sete planetas até então conhecidos.

Lua
Sol
Helft
Azul claro
Mércurio
Schesch
preto
Venus
Mi
Penj
amarelo
Sol
Tchehar
violeta
Marte
Azul escuro
Júpiter
Si
Dou
vermelho
Saturno
Íek
verde



O primeiro que apareceu no ocidente baseava-se no alfabeto: as sete primeiras letras representavam os sete sons da escala, começando pela nota lá. Depois, criaram-se os neumas, sinais oriundos dos acentos grave, agudo, circunflexo, e do ponto.

Porém, a notação neumática tinha o defeito de não indicar a altura nem a duração dos sons. Melhor que ela, era o método do monge Guido d'Arezzo (995-1050),que adotou uma pauta que no começo era simplesmente uma linha horizontal colorida ( vermelha – representava a nota Fá), a qual foi posteriormente adicionada outra linha colorida ( amarela – representava a nota Dó) [Med.Bohamil teoria da música] ,e em seu Regulae de ignotu cantu,  sugeriu o uso de três ou quatro linhas e definiu as claves  (do latim clavischave) de fá e dó para registrar a altura dos sons. Além disso, d'Arezzo deu nome às notas, tirando as sílabas iniciais de um hino a São João Batista:

Utqueant laxis
Para que possam
Resonare fibris
Ressoar as maravilhas
Mira gestorum
De teus feitos
Famuli tuorum
Com largos cantos
Solve polluti
Apaga os erros
Labii reatum
Dos lábios manchados
Sancte Ioanes
Ó São João




(O UT mais tarde passou a chamar-se . Mas não se sabe quem o batizou, assim como se ignora quem foi o padrinho do SI.)

E, embora sejam inúmeros os sons empregados na música, para representá-los bastam somente sete notas :
Mi
Sol
Si

A estes monossílabos ( sistema silábico introduzido por Guido d’Arezzo), usado predominantemente nas línguas latinas, correspondem as setes letras do sistema alfabético introduzido pelo Papa  Gregório Grande, +/- 540 d.C usadas em inglês, alemão, grego etc... [Med.Bohamil teoria da música]


O Mensuralismo, inventado por Walter Oddington e Franco de Colônia no século XII, também ajudou a evoluir a técnica musical. Era um sistema que permitia medir o tempo sonoro, determinando uma duração espeçífica para cada nota (breve, semibreve, mínima, semínima, colcheia, semicolcheia, fusa, semifusa, quartifusa). Mas isto, é para outra ocasião.
Fonte de referência: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-musica/index.php

Por fim, para você que leu até aqui, uma asserção final:
"Tocar um instrumento musical é uma das mais complexas atividades humanas pelo tipo de demanda que faz ao sistema de conhecimento como um todo. Envolve uma interdependência de aspectos cognitivos, kinaestheticos e emocionais realizados por meio de uma coordenação entre os sistemas auditivos e visuais, que se articulam com o controle motor fino (Galvão & Kemp, 1999; Pederiva, 2005

Ps : Em função da afirmação acima, vale frisar: a mais antiga e a mais natural fonte sonora capaz de produzir deliberadamente música é a voz humana ( Károly. O 1990).
E, segundo Florêncio de Almeida Lima" o canto coral traduz um certo refinamento artístico, sugerindo uma idéia de seleção que transcende os limites peculiares do canto orfeõnico. Este visa, em princípio, a abrir o espírito do educando à percepção e a inteligência da expressão artistico- musical, como ponto de partida para mais ampla receptibilidade e compreensão do fenômeno estético."
Por fim, depois destas citações retorno à primeira,colocada após o titulo desta postagem que  de Sêneca(4 a.C - 65 D.C)," Toda arte é imitação da natureza" 

                                                                                          
"Um povo que sabe cantar, está a um
 passo da felicidade. É preciso ensinar
o mundo inteiro a cantar"
                                                                                                          (Heitor Villa Lobos)

3 comentários:

  1. Raízes musicais antigas.. Um interessante compartilhamento Do Meu Velho Sábio para o ‪#‎MUNDOCRUEL‬

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  2. Texto excelente e altamente didático. Lamento, contudo, que algumas gravuras/ilustrações estão cobrindo palavras da postagem. Pode ser que isso esteja ocorrendo apenas em meu browser (Firefox 67.0.1). Resultou, infelizmente, que perdi algum contexto das relevantes informações publicadas.

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  3. Suspeito que o nome da nota SI tenha se originado do mesmo texto citado, pois no final aparece a invocação "Sancte Ioanes", cujas letras iniciais formam a sílaba SI.

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