”Eu não quisera habitar uma república
de nova instituição, por muito boas que fossem as leis que pudesse
ter, de medo de que, constituído o governo de outra maneira, talvez,
que não a exigida pelo momento, não convindo aos novos cidadãos,
ou os cidadãos ao novo governo, ficasse o Estado sujeito a ser
abalado e destruído quase desde o seu nascimento; porque a liberdade
é como esses alimentos sólidos e suculentos, ou esses vinhos
generosos, próprios para nutrir e fortificar os temperamentos
robustos a eles habituados, mas que inutilizam, arruinam, embriagam
os fracos e delicados, que a ele não estão afeitos.
Os povos, uma vez acostumados a senhores, não podem mais passar sem eles.
O próprio povo romano, modelo de todos os povos
livres, não foi capaz de se governar ao sair da opressão dos
Tarquínios.
Aviltado pela escravidão e os trabalhos
ignominiosos que lhe foram impostos, não passava, primeiro, de uma
estúpida populaça que foi preciso conduzir e governar com a
maior sabedoria, a fim de que, acostumando-se pouco a pouco a
respirar o ar salutar da liberdade, as almas enervadas, ou antes,
embrutecidas pela tirania, adquirissem gradativamente a severidade de
costumes e a altivez de coragem que as tornaram, finalmente, o mais
respeitável dos povos.
Eu teria, pois, procurado, como pátria, uma feliz
e tranqüila república cuja antigüidade se perdesse de certo modo
na noite dos tempos, que não tivesse experimentado senão golpes
próprios para manifestar e consolidar nos seus habitantes a coragem
e o amor da pátria, e onde os cidadãos, acostumados de longa data a
uma sábia independência, fossem não somente livres, mas dignos de
o ser.”
“Eu teria procurado um país no qual o direito
de legislação fosse comum a todos os cidadãos; porque, quem
melhor do que eles pode saber sob que condições lhes convém viver
juntos em uma mesma sociedade?
Mas, eu não aprovaria plebiscitos
semelhantes aos de Roma, em que os chefes de Estado e os mais
interessados na sua conservação eram excluídos das deliberações,
das quais muitas vezes dependia sua salvação, e onde, por uma
absurda inconseqüência, os magistrados eram privados dos direitos
de que gozavam simples cidadãos.
Ao contrário, eu quisera
que, para suspender os projetos interesseiros e mal concebidos e as
inovações perigosas que acabaram perdendo os atenienses, cada qual
não tivesse o poder de propor novas leis segundo a sua fantasia;
que esse direito coubesse apenas aos magistrados; que estes usassem
dele com tanta circunspecção, o povo, por sua vez, fosse tão
reservado em dar o seu consentimento a essas leis, e
a sua promulgação só pudesse ser feita com tanta solenidade que,
antes da constituição ser abalada, todos tivessem tempo para se
convencer de que é sobretudo a grande antigüidade das leis que as
torna santas e veneráveis, pois que o povo logo despreza as que vê
mudar todos os dias e, pelo hábito de negligenciar os antigos usos,
sob o pretexto de fazer melhores, são introduzidos muitas vezes
grandes males para corrigir menores.
Eu teria fugido principalmente de uma república
na qual um povo, como necessariamente mal governado, acreditando
poder passar sem magistrados ou lhes deixar apenas uma autoridade
precária, imprudentemente se tivesse reservado a administração dos
negócios civis e a execução de suas próprias leis: assim, deve
ter sido a grosseira constituição dos primeiros governos ao saírem
imediatamente do estado de natureza; e tal foi ainda um dos vícios
que perderam a república de Atenas.
Mas, eu teria escolhido aquela na qual os
particulares, contentando-se em dar sanção às leis e em decidir
pessoalmente, com o testemunho dos chefes, os mais importantes
negócios públicos, estabelecessem tribunais respeitados,
distinguissem cuidadosamente os seus diversos departamentos,
elegessem todos os anos os mais capazes
e os mais íntegros dentre os seus concidadãos para administrar a
justiça e governar o Estado, e na qual,
sendo a virtude dos magistrados testemunho da sabedoria do povo, uns
e outros se honrassem mutuamente.
De sorte que, se jamais funestos mal entendidos
viessem perturbar a concórdia pública, até tempos de cegueira e de
erros fossem marcados por testemunhos de moderação, de estima
recíproca e de comum respeito às leis, presságios e garantias de
reconciliação sincera e perpétua.”
“Nenhum de vós é tão pouco esclarecido para ignorar que onde cessam o vigor das leis e a autoridade dos seus defensores, não pode haver segurança nem liberdade para ninguém.
De que se trata, pois, entre vós, se não de fazer de boa vontade e com justa confiança o que seríeis sempre obrigados a fazer por verdadeiro interesse, por dever e pela razão?
Que uma culpável e funesta indiferença pela manutenção da constituição não vos faça jamais negligenciar, quando necessários, os sábios conselhos dos mais esclarecidos e dos mais zelosos dentre vós; mas, que a equidade, a moderação, a mais respeitosa firmeza continuem a regular todos os vossos passos, e a mostrar em vós, a todo o universo, o exemplo de um povo altivo e modesto, tão cioso da sua glória como da sua liberdade.
Tende cuidado, principalmente, e este será meu último conselho, em não ouvir jamais interpretações sinistras e discursos envenenados, cujos motivos secretos são, muitas vezes, mais perigosos do que as ações que são o seu objeto.
Toda uma casa desperta e se conserva em alarma aos
primeiros gritos de um bom e fiel guarda que só late quando se
aproximam os ladrões; mas, ninguém gosta da importunação desses
animais barulhentos que perturbam sem cessar o repouso público e
cujas advertências contínuas e fora de propósito não se fazem
ouvir no momento em que são necessárias”
Todos os destaques são
de autoria do blog
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