“ I
teach kings the history of their ancestors so that the lives of the
ancients might serve them as an example, for the world is old, but
the future springs from the past.”
Griot
Mamadou
Kouyate
Eu ensino aos reis a história de seus ancestrais para que a vida dos antigos principalmente seja um exemplo para eles, para o mundo é velho, mas a futura primavera vem do passado”.
Esta postagem tem como referência principal o
Vol IV – Século XII – XV da
coleção Unesco.
As inserções das figuras e dos destaques são
do blog
Listen and learn what courage is, and wisdom, too, for this man had both in abundance, great Sundiata, the lion of Mali!
“Escutem o que vocês podem aprender do grande rei , Sundiata, cujo nome vive para sempre nas canções dos griots e nos corações dos homens.
Escutem e aprendam o que é coragem e sabedoria, também, para este homem que tinha as duas em abundância, grande Sundiata, o leão do Mali!”.
Dizem-nos as tradições orais que Dancaran-Tuman tinha como irmão Sundiata (Diata = Leão ) (1230-1255), que na infância havia sofrido uma deficiência física que o impedia de andar, mas na juventude curou-se deste mal se tornando um grande mestre-caçador atraindo sobre si a inveja do irmão que o via como uma ameaça a sua soberania.
Das razias entre os dois resultou o exílio de Sundiata em Nema, pequeno Estado da região, onde se destacou como soldado.
Antes, porém, de tratarmos das guerras e conquistas do jovem príncipe, convém apresentarmos em linhas gerais um quadro do Manden, núcleo do futuro Império do Mali.
Prelúdio
Prelúdio
O rei Sosoe Kemoko, no final do século XII, juntou o Kaniaga e o Sosoe num só reino; seu filho Sumaoro (ou Sumanguru) Kante sucedeu -lhe no trono e deu prosseguimento a suas conquistas.
As tradições orais mandenka (mandingo) relatam as façanhas de guerra de Sumaoro Kante, cujo reinado se situa entre 1200 e 1235.
Segundo essas fontes, depois de submeter as províncias soninke, Sumaoro Kante atacou o Manden, cujos reis lhe opuseram obstinada resistência; Sumaoro teria “quebrado” (saqueado) nove vezes o Manden; a cada vez, porém, os Maninka recompuseram suas forças e revidaram o ataque.
Após a morte do rei Nare Fa Maghan, seu filho mais velho, o mansa Dankaran Tuman, entendeu ser mais prudente compor-se com Sumaoro Kante.
Para melhor marcar sua submissão, deu -lhe em casamento a irmã, a princesa Nana Triban; a autoridade do rei de Sosoe estendia -se a todas as províncias outrora sob o domínio de Gana, com exceção do Manden.
Fiel às crenças animista tradicionais e inimigo do islã, Sumaoro ou Sumanguru é descrito nas tradições orais por fazer “reinar o terror no Manden”, pois, “atemorizava os povos tanto pela força militar quanto pelo poder mágico; com efeito era temido como grande mago e feiticeiro”.
As mesmas tradições orais enfatizam a crueldade de Sumaoro Kante: a tal ponto que “os homens já não se atreviam sequer a conversar, de medo que o vento levasse suas palavras ao rei”.
Sob a liderança deste, os sossos atacaram e pilharam Koumbi Saleh, dando um fim definitivo a importância da cidade.
Sumanguru havia obtido sucesso em diversas investidas sobre os mandingas, os chefes destes acorreram ao mansa
Dancaran-Tuman, pedindo-lhe que desse combate e liderasse a resistência aosabusos sossos.
Após a derrota de Dancaran-Tuman frente às tropas dos sossos de Sumanguru Kante, que praticamente exterminou os Keitas, os chefes mandingas vão a Nema pedir a Sundiata que retorne ao Sancarani como mansa para liderá-los contra os sossos.
As conquistas militares
Assistido por brilhantes generais, Sundiata dominou quase todos os territórios outrora controlados pelo Império de Gana; as tradições orais conservaram, dos seus chefes militares, os nomes de Tiramaghan Traore e Fakoli Kuruma (ou Koroma).
O primeiro recebeu a incumbência de invadir o Diolof e combater Diolofing Mansa, que detivera uma caravana de mercadores encarregada por Sundiata de comprar cavalos.
O episódio de Diolofing Mansa é muito importante na epopéia de Sundiata Keita.
O rei de Diolof fora aliado de Sumaoro Kante e, como este, era hostil ao Islã.
Tendo
confiscado os cavalos de Sundiata Keita, enviou -lhe uma pele,
sugerindo que dela fizesse sapatos, já que não era nem caçador nem rei
digno de montar a cavalo.
Sundiata
teve um acesso de cólera e encerrou -se, sem ver ninguém, durante
vários dias; quando reapareceu, reuniu seus generais e ordenou o ataque
ao Diolof.
Tiramaghan suplicou
-lhe que o autorizasse a ir sozinho combater o inimigo, alegando que
para essa tarefa não havia necessidade de mobilizar todas as tropas.
Diante
da insistência do general, que até ameaçou matar -se caso seu pedido
não fosse atendido, Sundiata Keita confiou -lhe um corpo de exército, e
ele partiu.
Tiramaghan Traore venceu Diolofing Mansa, conquistou a Senegâmbia e o Gabu. Depois de vencer o rei do Diolof, Tiramaghan, conquistou Casamance e a região montanhosa da atual Guiné -Bissau, o Gabu (ou Kaabu).
Tiramaghan é considerado pelos Mandenka ocidentais fundador de vários reinos, dos quais o mais importante foi o de Gabu.
Sua gesta é cantada
Griot
Os griots, em terminologia francesa, ou dieli, em bambara, são animadores públicos, contadores de histórias, músicos, diplomatas, genealogistas ou poetas, característicos da chamada África Ocidental, com destaque para a região do Mali, Senegal, Gâmbia e Guiné.
Percorrem suas comunidades, regiões e os países, contando e cantando suas histórias, em buscas de informações para suas genealogias ou em alguma missão diplomática.
Contudo, segundo certas tradições do Gangaran o vencedor de Diolofing Mansa teria retornado ao Mali. (Ver CISSOKO, 1981a e b e LY -TALL, 1981.)
Quanto a Fakoli Kuruma, submeteu as regiões sulinas limítrofes da floresta e conquistou o alto Senegal.
Dele descendem os clãs Cissoko, Dumbuya e Kuruma; em Norassoba, aldeia dos Kuruma, na República da Guiné, estariam os fetiches e vestimentas de guerra que teriam pertencido a Fakoli.
Em geral, os Manden mantêm pequenos museus, reservados a um público restrito de iniciados e privilegiados. Dessa forma, conservam -se relíquias das mais antigas.
Pessoalmente, Sundiata Keita venceu os reis de Diaghan (ou Diafunu) e de Kita, ambos aliados de Sumaoro Kante.
Restabeleceu, assim, a unidade do Sudão ocidental. Seu filho e seus generais darão prosseguimento a suas conquistas anexando Gao e o Takrūr.
A batalha de Kirina
O combate decisivo travou -se em Kirina, lugar difícil de situar, pois, segundo as tradições orais, a atual aldeia de Kirina é de fundação recente. Sabe -se que o exército de Sumaoro Kante era bastante numeroso; é difícil, no entanto, sugerir qualquer cifra.
Dentre seus generais estava
Diolofing (Jolofing) Mansa, rei do
Diolof (Jolof) e chefe dos Tunkara de Kita, também conhecido como
grande feiticeiro.
A cavalaria de Sumaoro
Kante era célebre: não havia como resistir a suas
cargas.
Mas as tropas de Sundiata
Keita transbordavam de entusiasmo, e o chefe dos aliados exibia muita
segurança.
Sua irmã Nana
Triban, que fora forçada a casar
-se com Sumaoro Kante, conseguira fugir de Sosoe e juntar -se a
Sundiata; assim, ele detinha o segredo da
força de Sumaoro Kante.
Na África antiga, a magia
era inseparável de toda e qualquer ação.
Sumaoro Kante era
invulnerável ao ferro; seu tana
(totem) era uma espora
de galo branco.
Mas ele sabia, desde a fuga
da mulher e do griot
Bala Fasseke Kuyate, que seu segredo
fora violado.
Apareceu desanimado no campo
de batalha, não tinha a imponência nem a arrogância que tanto
inflamam os soldados.
Contudo dominou sua perturbação interior e
aceitou a batalha.
A debandada dos Sosoe foi
completa; Sundiata Keita perseguiu o adversário até Kulikoro, mas
não conseguiu aprisioná-lo. Avançou sobre a cidade de Sosoe e
arrasou -a.
A vitória de Kirina
não foi apenas um triunfo militar dos aliados; consolidou também a
aliança entre os clãs, e, embora essa guerra de fetiches e magia
tivesse garantido a hegemonia da dinastia dos Keita, paradoxalmente
foi o prelúdio da expansão do Islã, pois Sundiata fez -se protetor
dos muçulmanos. A delegação que partiu em sua busca, quando estava
exilado, incluía alguns marabus.
Esse defensor inconsciente
do Islã não é citado por nenhum autor árabe do século XIII, e a
batalha de Kirina tampouco aparece nos anais árabes.
Contudo Ibn Battūta relata
-nos que Sundiata ou Maridiata converteu -se ao islamismo por
intermédio de um certo Mudrik, cujo neto vivia na corte do mansa
Mūsā.
As tradições orais, porém,
nele só reconhecem o libertador dos Maninka.
Sundiata e a constituição do Mali
A tradição do Manden atribui ao jovem vencedor de Kirina a codificação dos costumes e interditos que ainda hoje regem, de um lado, as relações entre os clãs Mandenka e, de outro, as relações destes com os demais clãs da África ocidental.
A esse êmulo de Alexandre, o Grande, foram imputados feitos que lhe são bem posteriores.
Contudo, em linhas gerais, a constituição e as estruturas administrativas que se consolidaram
no Império do Mali foram implantadas por ele.
Sundiata foi homem de muitos nomes: na língua soninke chamavam -no de Maghan Sundiata, o que quer dizer “rei Sundiata”; em maninka, foi conhecido como Maridiata, ou “senhor Diata” (leão); também teve os nomes de Nare Maghan Konate, isto é, “rei dos Konate, filho de Nare Maghan”, e Simbon Salaba, “mestre -caçador de fronte venerável”.
Diz a tradição oral que em Kurukan Fuga, planície relativamente próxima de Kangaba, realizou -se a Grande Assembleia (Gbara), verdadeira assembleia constituinte que reuniu os aliados após a vitória, e onde ocorreram os seguintes fatos:
- Sundiata Keita foi solenemente proclamado mansa (em maninka) ou maghan (em soninke), isto é, imperador, rei dos reis.
- Cada chefe aliado foi confirmado farin de sua província; apenas os chefes de Nema e Wagadu receberam o título de rei.
A Assembleia decretou que o imperador deveria ser escolhido na linhagem de Sundiata, e que os príncipes escolheriam sua primeira esposa no clã Konde (como recordação do feliz matrimônio de Nare Fa Maghan e Sogolon Konde, mãe de Sundiata Keita).
c) Decidiu -se que, em conformidade com a tradição antiga, o irmão sucederia ao irmão (sucessão fratrilinear).
d) Proclamou -se que o mansa seria o juiz supremo, o patriarca, o “pai de todos os seus súditos” – daí a fórmula Nfa mansa, “Senhor, meu pai”, usada por quem se dirigia a ele.
e) Os Maninka e aliados agruparam -se em 16 clãs de homens livres ou nobres (tonta -dion
tani woro), os “portadores de aljavas” ( O arco e a aljava eram a insígnia dos homens livres. Somente eles tinham o direito de andar armados. Os portugueses observaram, no século XV, que os nobres maninka passeavam nas cidades com suas aljavas carregadas de flechas, das quais nunca se separavam, pois era este o sinal que os distinguia. ).
f) Os cinco clãs de marabus – entre os quais os Ture e os Berete aliados desde o início, que participaram já da missão que fora buscar Sundiata Keita no exílio, foram proclamados os “cinco guardiães da fé”, ou mori kanda lolu.
Entre esses clãs, é preciso incluir os Cisse (Sisse) do Wagadu, islamizados, aliados políticos de Sundiata Keita.
g) Os homens que praticavam determinados ofícios foram divididos em quatro clãs (nara nani), entre os quais os griots, os sapateiros e certos clãs de ferreiros.
Os nomes clânicos mandenka foram reconhecidos como correspondentes de nomes clânicos de outras etnias do Sudão; estabeleceram -se relações jocosas de parentesco entre as etnias, prática que perdurou após a morte de Sundiata, e que não raro contribuiu para reduzir tensões entre grupos étnicos (por exemplo, entre os Wolof, um homem do clã Konde é considerado irmão pelos membros do clã Ndiaye; da mesma forma, um Traore é tratado como irmão pelos Diop (Jop) etc.
Um Traore que se instale em território wolof pode tomar o nome clânico Diop; inversamente, um Diop torna -se Traore se for morar entre os Mandenka.
Esse parentesco fictício, essa fraternidade entre clãs, desempenhou e continua a desempenhar papel importante no Sudão ocidental.
Desde o tempo de Sundiata, novos elos se estabeleceram entre os Mandenka e os povos dos territórios em que eles se instalaram (região florestal da Guiné, da Libéria e da Costa do Marfim).
Para recompensar os barqueiros somono e bozo do Níger, Sundiata deu -lhes o título de “mestres das águas”.
Conforme narra a tradição, o imperador “dividiu o mundo”, isto é, fixou os direitos e deveres de cada clã.
h) Medida especial aplicou -se aos Sosoe: foram divididos entre os clãs de ofício ou castas, e seu território foi declarado domínio imperial. Muitos deles emigraram para oeste.
O valor e o alcance dessa constituição foram notáveis. Antes de mais nada, ela reproduzia a estrutura social do Império de Gana, que reconhecia o caráter particular de cada região. Além disso, Sundiata codificou o sistema dos clãs de ofício, tornando -se, as profissões, hereditárias.
Nos tempos de Gana, ao que parece, cada um praticava o ofício de sua escolha; doravante o filho deveria seguir o do pai, principalmente se pertencesse a um dos quatro clãs ou castas de ofício.
O governo de Sundiata
Sundiata instalou -se no governo com os companheiros. Além de militares e homens de guerra, cercou -se de letrados negros pertencentes aos clãs de marabus já referidos, cujos membros eram “primos jocosos” dos integrantes do clã dos Keita.
É provável que durante seu reinado alguns mercadores árabes tenham frequentado a corte. Como já vimos, segundo Ibn Battūta, um descendente de certo Mudrik, que converteu Maridiata ao islamismo, vivia na corte do mansa Solimão.
A tradição, contudo, só vê Sundiata como libertador do Manden e protetor dos oprimidos, e não como propagador do Islã.
Havia dois tipos de província: aquelas que se tinham unido, desde o início, aos aliados, cujos reis conservaram os títulos – caso de Gana (Kumbi -Sāleh) e de Nema –, e as províncias conquistadas. Nessas últimas, ao lado do chefe tradicional, um governador ou farin representava o mansa.
Sundiata Keita respeitou as instituições tradicionais das províncias que conquistou; o caráter flexível de sua administração fazia com que o império se assemelhasse mais a uma federação de reinos ou províncias do que a uma organização unitária.
Por outro lado, a existência de guarnições mandenka nas principais regiões garantia a segurança, ao mesmo tempo que servia como força de dissuasão.
Foi provavelmente Sundiata Keita quem dividiu o império em duas regiões militares.
“O príncipe tinha sob suas ordens dois generais: um para a parte meridional, outro para a setentrional; o primeiro chamava -se Sangar Zuma, o segundo Faran Sura. Cada um comandava certo número de caídes e de tropas”.
Finalizando adicionando o texto que se encontra na
pág 148 do volume da obra citada no inicio.
É bem provável que, se Ibn Battūta e Ibn
Khaldūn não tivessem mencionado o conquistador em seus escritos –
em 1353 e 1376 respectivamente –, os historiadores europeus
considerassem Sundiata Keita ancestral mítico ou lendário, tamanha
é a importância dele na história tradicional do Mali.
“O mais poderoso desses monarcas foi o que
submeteu os Susso [Sosoe], ocupou-- lhes a cidade e tomou -lhes o
poder supremo. Chamava -se Mari Diata; na sua língua, mari
quer dizer emir,
diata significa leão.
Esse rei, cuja genealogia não pudemos descobrir, reinou vinte
anos, de acordo com o que me foi narrado.” (IBN
KHALDūN, in CUOQ, 1975, p. 344.)
Depois, com o filho de
Sundiata Mansa Ulé (1225 - 1270) e seus sucessores Abubakar I,
Sakura, Abubakar II até Mansa Musa ( Kandu Mussa 1312 –1332), o
reino do Mali passou a ser conhecido no mundo ocidental, porém isto
é uma outra parte da história........
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