sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Maconha pito de pango ou remédio?

                                    
 A ligação do homem com as drogas é algo que remonta há milhares de anos, nos mais diversos lugares e épocas, sejam em tratamento terapêutico ou em rituais religiosos. O uso da Cannabis como droga teve início há mais de 4.000 anos, na China. Sua descoberta foi atribuída ao imperador e farmacêutico chinês Shen Nieng, cujo trabalho em farmacologia advogava o uso da planta, no tratamento do reumatismo e apatia, e como sedativo (Carlini,1980; Costa & Gontiès, 1997;  Nahas,1986; Sonenreich,1982).
O nome científico da maconha é Cannabis sativa. Em latim, Cannabis significa cânhamo, que denomina o gênero da família da planta, e sativa que diz respeito plantada ou semeada, e indica a espécie e a natureza do desenvolvimento da planta.
É uma planta originária da Ásia Central, com extrema adaptação no que se refere ao clima, altitude, solo, apesar de haver uma variação quanto à conservação das suas propriedades psicoativos, podendo variar de 1 a 15% dependendo da região à qual foi produzida a erva e a forma como foi ingerida, pois esta requer clima quente e seco, e umidade adequada do solo ( Bergeret & Leblanc, 1991; Costa & Gontiès, 1997; Nahas, 1986).
Há três teses que versam acerca da origem da maconha:
1) Seriam os chineses os principiantes no uso da Cannabis como erva medicinal, e na utilização de suas fibras para confecção de papel;
2) A origem da maconha estaria na Índia, tendo como embasamento textos escritos na era Védica 2.500 a.c.,
3) Existe outra tese de que a maconha teria origem na região do mar Cáspio e Pérsia, que correspondem na atualidade aos países do Paquistão, Irã e Afeganistão (Nahas, 1986; Barsa,1997; Costa & Gontiès, 1997).

Sonenreich (1982), por sua vez, relata que no século IX a.c. o rei assírio Teglathfalasar II estava ao lado de um homem adormecido com um ramalhete de papoulas.
Nesta época, comenta-se episódios sobre o haxixe, cuja denominação pelos assírios era qunubu, de onde deu origem o grego cannabis.
Quando a maconha chegou ao Oriente Médio, vinda da índia, houve uma grande aceitação desta droga.
Como o consumo de álcool era proibido pela religião muçulmana, os povos passaram a fazer uso da maconha, tendo em vista a sua capacidade de produzir estado de euforia sem que levasse ao pecado mortal.
De acordo com Nahas (1986), havia um monge na região do Oriente Médio, que habitava a montanha de Rama em 500 d.c., que em seus pronunciamentos dizia "Deus todo poderoso vos concedeu como um favor especial as virtudes desta planta, que dissiparão as sombras que obscurecem vossas almas e iluminarão vossos espíritos"(p.29).
Posto isto, durante as invasões árabes dos séculos IX a XII, introduziu-se a Cannabis no norte da África, atingindo desde o Egito até o leste da Tunísia, Argélia e o oeste de Marrocos.
Porém, é válido destacar que o amplo consumo deu-se no Egito durante auge do desenvolvimento cultural, social e econômico. Inicialmente essa droga era consumida pelas classes privilegiadas, como forma de auto-indulgência (Nahas,1986).

No século XI é fundada, por um fatimida, Hassan Ibn-Sabbah, a seita de drogados asssassinos, chamados Haxixins.
Depois de conquistar a fortaleza de Alamout, ao sul do mar Cáspio, Hassan Ibn-Sabbah torna-se chefe de uma organização secreta sob o título de Cheikh-al-Djebel (príncipe da montanha),a qual seqüestravam jovens bonitos entre 12 e 20 anos e, adormecidos com bebidas de cannabis, eram levados para o jardim das delícias, de onde esses próprios jovens, logo depois, não queriam sair.
Caso quisessem obter bebida, submetiam-se às ordens do chefe de matar ou roubar, a posteriori estes serão conhecidos através das descrições de Marco-Polo (De Félice, 1936/70; Sonenreich, 1982).

Estes autores ainda enfatizam que os membros da seita Hassan lhe julgavam uma obediência cega, os simples afiliados tinham apenas o papel de executar suas ordens, isto é, matar seus inimigos pelo ferro ou pelo veneno Chamavam-lhes Fidai, o que significa que eles se auto-sacrificavam, não hesitavam a se exporem à morte para executar sua tarefa sinistra.
Gengis Khan em 1218 extinguiu esta seita com a morte de 12.000 comedores de haxixe.
Por volta 1379 baixou-se uma lei rígida contra o uso da cannabis.
A pena para os usuários correspondia a terem as solas dos pés e os seus dentes arrancados.
A disseminação e usos
A maconha, droga que se caracteriza como já citado, por seu cultivo milenar, é utilizada nos diversos lugares e épocas, com aplicações na medicina, indústria (confecção de papel, cordas e velas para navios), e até em rituais religiosos.
Na Índia em 1000 a.c., o cânhamo, cuja denominação era Changha, era usado de forma terapêutica, sendo indicado para constipação intestinal, falta de concentração, malária até para doenças ginecológicas.
Não obstante, no território indiano, o uso religioso da cannabis antecedeu ao terapêutico, com o intuito de "libertar a mente das coisas mundanas e concentrá-la no Ente Supremo" (Graeff,1989, p.123).
Desde a antiguidade, os gregos e os romanos usaram velas e cordas de cânhamo nos navios.
                                 
As cruzadas correspondem ao momento histórico no qual houve a disseminação da maconha pela Europa.
No século XV, cultivado nas regiões de Bordéus e da Bretanha, na França, em Portugal e na África, o cânhamo era destinado à confecção de cordas, cabos, velas e material de vedação dos barcos, que inundavam com frequência em longas navegações sem este material.
O produto obtido de suas fibras, dotado de rigidez e elasticidade, proporcionava às caravelas uma enorme velocidade. Incluindo velame, cordas e outros materiais, havia 80 toneladas de cânhamo no barco comandado por Cristóvão Colombo, em 1496 (Robinson, 1999).

Nesta mesma época, relata-se o uso por parte dos Aztecas em rituais religiosos.
Escrita com as mesmas sete letras, a palavra maconha é um anagrama de cânhamo, matéria-prima de grande importância no Renascimento.
Gutenberg utilizou papel de cânhamo para produzir as 135 primeiras Bíblias impressas do mundo, localizando-se um desses exemplares no acervo da Biblioteca Nacional, na Cinelândia, Rio de Janeiro.

Já em Cuba por volta de 1492, encontrou também o hábito de inalar a fumaça de folhas secas incandescentes para provocar um prazer singular, (Sonenreich, 1982).
O cultivo de cânhamo em terras lusas tornou-se massivo à época das Grandes Descobertas, pois fornecia o material das embarcações portuguesas.

Na Renascença, a maconha era um dos principais produtos agrícolas da Europa, pois, um decreto do rei D. João V, de 1656, comprova que o incentivo à produção de maconha era uma política de Estado.
Donde, pode-se deduzir que o cânhamo era estratégico para os empreendimentos portugueses, entre eles a indústria naval.
Nos Estados Unidos, em 1720 a planta do tipo fibra era cultivada na região litorânea, e as fibras do caule eram utilizadas na confecção de cordas, barbantes, tapetes, velas, sacos e cintos.
Já das sementes extraia-se o óleo para sabões, tintas, dentre outros.( Nahas, 1986).
Para Nova Enciclopédia Barsa (1997), "há mais de dois mil anos os chineses usavam a maconha como anestésico em cirurgias, prática repetida no Renascimento por alguns cirurgiões europeus" (p.179).

De Félice (1936/70) menciona o historiador Heródoto ao descreve que os citas, os traças utilizavam a maconha na confecção de roupas, como também em práticas religiosas.
Por exemplo, numa tenda fechada, sobre pedras esquentadas colocavam-se sementes de cannabis, que com a fumaça cheirosa exalada embriagava estes povos, possibilitando-lhes uma comunicação com os mortos, provocando-lhes grandes gritos.
Para Heródoto, o fato concerne a rituais funerários, em banhos de vapor com o intuito de purificar os vivos do contato com a morte.
Este autor ainda coloca que a origem da cannabis corresponderia aos arredores do mar Cáspio e dos países do Irã Oriental, e que o seu uso simbolizava o meio de uma embriaguez sagrada.

Os assírios faziam uso da mesma como incenso, sobre o nome Qounnoubou ou Qounnabou (radical da cannabis).
Costa e Gontiès (1997) remetem a estudos de Remini(s/d) sobre a medicina oriental denominada Nei-Ching.

O imperador da época, Kwang-Ti, que viveu entre 2.698 e 2.599 a.c, fazia a indicação das flores ma-p'o para fins cicatrizantes e da resina para uso nas infecções cutâneas e para o tratamento do sistema nervoso, como também as sementes em infusão combatiam vermes no homem e animais.
Segundo Carlini (1980), na década de 1964, a maconha teve atenção especial dentre os estudiosos de diversas áreas como: químicos, botânicos, farmacólogos na intensificação de pesquisas com o intuito
de catalogar as principais substâncias presentes na Cannabis.

Uso como psicoativo

Segundo Nahas (1986) a indicação da cannabis para alterar o estado mental e não estritamente como remédio tem início no continente indiano, onde esta erva era considerada sagrada, com presença constante em rituais religiosos.
Os sacerdotes cultivavam em seus jardins, e utilizavam as flores, folhas e caules cozidos com o intuito de fabricar um líquido potente denominado bhang. Este autor ainda coloca que "este licor promovia supostamente uma união mais íntima com Deus quando bebido antes de cerimônias religiosas". Os indianos chamavam o bhang de "fonte de prazeres", "voador-celestial" e "dissipador de pesares"(p.28).
No que concerne à forma de utilização comum da maconha, geralmente faz-se à secagem e a trituração de suas folhas e flores na forma natural.
E o processo recebe nome diferente em cada região na qual é realizado.
Na Índia, este processo é chamado de bhang ou gandja, no México, grifa; na América do Norte, marrijuana; na África do Norte, kif ou takrousi.

Pode-se utilizá-la através da resina em forma de placas ou bastões chamada
                             

de haxixe ou chira no Oriente Próximo ou norte da África e na Ásia é denominada charas; e também com o óleo (hash oil) obtido das flores da planta feminina cujo teor de THC é mais concentrado, podendo ser sorvido, e menos freqüentemente injetado por via venosa (Bergeret & Leblanc, 1991; Costa & Gontiès, 1997; Graeff,1989; Enciclopédia Barsa, 1997).

Efeitos psicoativos

A Nova Enciclopédia Barsa (1997), aponta que "os efeitos da maconha variam conforme a experiência do usuário, a quantidade e o ambiente em que é consumida, além da potência da droga. Quando fumada, os efeitos fisiológicos se manifestam em minutos e incluem tontura, distúrbios de coordenação e de movimento, sensação de peso nos braços e pernas, secura na boca e na garganta, vermelhidão e irritação nos olhos, aumento da freqüência cardíaca, sensação de apetite voraz" (p.179). O apetite voraz é também chamado pelos usuários de "larica"
Quanto aos efeitos, o usuário ainda pode apresentar uma euforia leve, com alterações da percepção como: distorções do tempo, espaço (distância) e do senso de organização do próprio corpo.
No que tange aos processos mentais, encontram-se desorganizados, com distúrbios de memória e falta de atenção, porém pode ocorrer fortalecimento do sentido do auto-valor, e da sua socialização (Nahas, 1986).
Sonenreich (1982), apresenta uma das primeiras publicações psiquiátrica acerca da maconha, composta de oito fenômenos psicológicos observados em usuários da Cannabis propostos por Moreau de Tours (1845), quais sejam:
1) Sentimentos de felicidade;
2) Excitação, dissociação de idéias;
3) Enganos na avaliação do tempo e do espaço;
4) Aumento de sensibilidade auditiva;
5) Idéias fixas, convicções delirantes;
6) Lesões dos afetos;
7) Impulsos irresistíveis;
8) Ilusões e alucinações.

Segundo Bergeret e Leblanc (1991), a embriaguez canábica dá-se em quatro fases:

1) fase de bem-estar eufórico;
2)fase de hiperestesia sensorial, com perturbação dos dados espaço-temporais e euforia ou rapto ansioso;
3) fase extática;
4) fase do sono e desperta.
Estes autores ainda reportam as propriedades psicoativas da maconha, "que é um produto cujos efeitos em longo prazo não são todos conhecidos, tampouco o total de seus compostos químicos, e que ela é ainda utilizada nas formas primitivas (erva ou resina), como era o caso do ópio no início do século; ora sabemos que depois este produto foi refinado em morfina, depois em heroína, e que tudo isto foi injetado no corpo, por via intravenosa" (p.206).

Para Inaba e Cohen (1991), a maconha, dentre outros efeitos físicos, inclue o desequilíbrio da capacidade de localização, aumento do ritmo cardíaco, queda da pressão arterial, hiperemia conjuntival com queda da pressão intra-ocular (por isso que o THC foi indicado para o tratamento de glaucoma) e alívio de náuseas (com indicação para pacientes em tratamentos quimioterápicos).
Por outro lado, a Cannabis compromete a memória de curto prazo e os fumantes crônicos demonstram apatia e falta de motivação.
Estes autores ainda mencionam que "os efeitos dos alucinógenos (maconha) dependem particularmente da dose, da estrutura emocional do usuário, do seu estado de ânimo por ocasião do uso e das circunstâncias que os rodeiam" (p.149).
O uso moderado da maconha não leva à tolerância. No entanto, quando ingeridos em doses elevadas, pode-se constatar uma adaptação aos efeitos do THC, tanto mentais quanto físicos, sendo a dependência psíquica a mais constante.
Havendo também a possibilidade da ocorrência de psicoses canábicas, e manifestações por perturbações do caráter, ansiedade, anorexia e insônia (Bergeret & Leblanc, 1991).

Noto e Formigoni (2002), ao dissertarem sobre os efeitos prejudiciais da maconha em curto prazo, salientam que não são bem evidentes se comparados à cocaína.
Mas, são freqüentes problemas de concentração e memória, dificultando a aprendizagem e a execução de tarefas de dirigir ou operar máquinas, por exemplo.
Como também o seu uso contínuo pode causar tosse crônica, alteração da imunidade, redução dos níveis de testoterona e desencadear doenças mentais como a esquizofrenia, depressão e crises de pânico, pode ocorrer, também, a redução do interesse e de motivação pela vida com a observação da síndrome amotivacional.
Motivação do uso

Zaluar (2002), por sua vez argumenta que embora haja alguns usuários múltiplos de maconha e cocaína, eles constituem grupos antagônicos quanto aos etos e as imagens associadas às drogas.

No caso particular da maconha o seu uso estaria atrelado a atos bucólicos, com referências ao dia, ao campo, natureza, comida, saúde, ao ócio e a paz. Já a cocaína seria associada a um uso mais urbano e artificial, à saída noturna para boates, ao viver agitado, à degeneração do corpo, e à guerra. Esta autora ainda apresenta pesquisa realizada no Rio de Janeiro entre 1998 e 2000 em três bairros - Copacabana, Tijuca e Madureira.

Os resultados assinalaram que entre os efeitos desejados pelos usuários estão a euforia, adrenalina, ligação e o ficar acesso da cocaína; enquanto que os da maconha desejam "estar chapado" ou "ficar lesado", "desligado".

Nahas (1986) coloca que na França, surgiu o grupo denominado de Clube dos comedores de haxixe, tendo como participantes os poetas Théophile Gautier e Charles Baudelaire, cujas experiências com o haxixe são descritas: "os sons possuem cores e as cores são musicais. Os olhos penetram o infinito e os ouvidos percebem o som mais imperceptível em meio aos ruídos mais acentuados...Os objetos externos assumem aparências monstruosas e se revelam em formas até então desconhecidas"(p.32).
Com o reconhecimento do perigo a qual está exposto o usuário de drogas estes escrevem: "como com todos os prazeres solitários, o indivíduo torna-se inútil para os homens, e a sociedade supérflua para o indivíduo. O haxixe nunca revela á pessoa mais do que ela já é
Além disso, há um perigo fatal em tais hábitos. Aquele que faz uso do veneno para pensar, logo será incapaz de pensar, logo será incapaz de pensar sem tomar o veneno" (p.33).

Repressão

Lewin (1970) enfatiza que em 8 de outubro de 1800, o general Napoleão Bonaparte, promulgou no Egito as seguintes proibições quanto ao uso da cannabis, quais sejam:
Art.I: Fica proibido em todo Egito fazer uso da bebida fabricada por certos muçulmanos com a cannabis (haxixe), bem como fumar as sementes da cannabis, os bebedores e fumantes habituais desta planta perdem a razão e são acometidos de violentos delírios que lhes proporciona cometer abusos de todos tipos;
Art.II: A preparação da bebida de haxixe fica proibida em todo Egito. As portas de todos os bares ou albergues onde é servida serão fechadas com um muro e seus proprietários colocados na cadeia por uma duração de três meses;
Art.III: Todos os pacotes de haxixe que chegarão a alfândega serão confiscados e queimados publicamente.

Quanto a este episódio Nahas (1986) ainda acrescenta que Napoleão em seu discurso diz "o consumo do forte licor feito por certos maometanos com a erva denominada haxixe, bem como o fumo das drogas copas florais do cânhamo, ficam proibidas em todo o território do Egito"(p.30).
Vale salientar que o imperador francês pouco influenciou no consumo da maconha no Egito.

O uso no Brasil

Carlini (1980) aponta diálogo de Garcia Orca (1891), escrito após a descoberta do Brasil, que faz menção ao Soltão Baduar que, em conversa com Martim Afonso de Souza, relatava que à noite quando queria ir a Portugal, ao Brasil, à Turquia, à Arábia e à Pérsia, não fazia outra coisa senão comer um pouco de bangue ou maconha.

Por outro lado, Bucher (1992) apresenta um ensaio de como a maconha foi apresentada na literatura brasileira, este aponta o sociólogo Gilberto Freyre como sendo um dos poucos que comentaram acerca do uso da maconha em seus escritos, falando sobre o "maconhismo" nos escravos.
Segundo Gilberto Freyre, ao fim do dia de trabalho os escravos utilizavam-se do fumo da angola.
Este autor ainda aponta para fato histórico importante, que diz respeito ao decreto do código de postura feita pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro que, em 04 de outubro de 1830 proíbe a compra e venda em estabelecimentos públicos da erva.
Outro fato histórico que merece devido destaque diz respeito ao uso da

                                        
maconha por parte da princesa Carlota Joaquina de Bourbon. Seu escravo Filisbino, companheiro da princesa até a morte desta, foi seu principal fornecedor.
Comenta-se que ao morrer intoxicada pelo arsênico, esta dizia: "traga-me um chá com as fibras de diamba do Amazonas, com que despedimos para o inferno tantos inimigos" (Dória, 1958, p.245).

A repressão discriminatória no Brasil

Tendo surgido oficialmente em 1808, no contexto da vinda da família real, a polícia brasileira foi constituída sem qualquer limite legal, já que uma lei penal propriamente dita somente entrou em vigor em 1830.
Com a função de manter a tranquilidade da ordem pública e o patrulhamento da cidade, em 1809, foi criada a Guarda Real de Polícia.
À medida que seus truculentos membros passavam paulatinamente a substituir os antigos capitães-do-mato, sua atuação relacionava-se à "polícia de costumes", ou seja, repressão de festas com cachaça, música afro-brasileira e, evidentemente, o uso da maconha.
Ataques a quilombos situados nos morros eram uma das principais atividades repressivas.
"Esses ataques brutais eram chamados de 'ceias de camarão', alusão à necessidade de descascar o crustáceo para se chegar à sua carne cor-de-rosa. Em vez do sabre militar comum, o equipamento normal de Vidigal e seus granadeiros era um chicote de haste longa e pesada, com tiras de couro crú em uma das extremidades, o qual podia ser usado como cacete ou chibata" (Robinson, 1999 )
Consta que o policial Miguel Nunes Vidigal, célebre pelo terror que espalhava entre os "vadios e ociosos", na maioria, escravos que iam aos "batuques", prendeu certa vez mais de 200 pessoas, dentre homens, mulheres e crianças, num quilombo do Morro de Santa Teresa (Robinson, 1999 ).
No mesmo ano em que este código entrou em vigor, o Brasil foi o primeiro país do mundo a editar uma lei contra a maconha: em 4 de outubro de 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro penalizava o `pito de pango`, denominação da maconha, no § 7º da postura que regulamentava a venda de gêneros e remédios pelos boticários:
"É proibido a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas
Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia".
(Mott in Henman e Pessoa Jr., 1986).
Também, com a proclamação da república em 1889, houve a intenção de continuar considerando crime o uso da cannabis. 
Pois, um ano antes mesmo de ser promulgada sua lei maior, a República tratou de instaurar dois instrumentos de controle dos negros em 1890: o Código Penal e a "Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificação", a fim de combater cultos de origem africana e ao uso da cannabis, utilizada em rituais do Candomblé, considerado "baixo espiritismo".

Alguns anos depois, o psiquiatra Rodrigues Dória (Professor de Medicina Pública de Direito da Bahia, presidente da Sociedade de Medicina Legal, ex-presidente do Estado de Sergipe,) (1857-1958) teve grande influência na criminalização da maconha, chegando a associá-la a uma espécie de vingança de negros "selvagens" contra brancos "civilizados" que os haviam escravizado.
Vejamos um fragmento de seu texto etnocêntrico, discriminando a cultura, a religião e o maravilhoso diálogo rimado da diversidade cultural brasileira dos negros, nativos e pobres: ...é possível que um individuo já propenso ao crime, pelo efeito exercido pela droga, privado de inibições e de controle normal, com o juízo deformado, leve a prática seus projetos criminosos . (...) Entre nós a planta é usada, como fumo ou em infusão, e entra na composição de certas beberagens, empregadas pelos "feiticeiros", em geral pretos africanos ou velhos caboclos.
Nos "candomblés" - festas religiosas dos africanos, ou dos pretos crioulos, deles descendentes, e que lhes herdaram os costumes e a fé - é empregada para produzir alucinações e excitar os movimentos nas danças selvagens dessas reuniões barulhentas.
Em Pernambuco a herva é fumada nos "atimbós" - lugares onde se fazem os feitiços, e são frequentados pelos que vão aí procurar a sorte e a felicidade.
Em Alagoas, nos sambas e batuques, que são danças aprendidas dos pretos africanos, usam a planta, e também entre os que "porfiam na colcheia", o que entre o povo rústico consistem em diálogo rimado e cantado em que cada réplica, quase sempre em quadras, começa pela deixa ou pelas últimas palavras de contendor (Henman e Pessoa Jr, 1986).

O código Penal da República, em 1890, mesmo proibindo a comercialização de "coisas venenosas", não se referia diretamente a proibição da venda da maconha.
Porém, faz-se necessário destacar que só no início do século passado, passou-se a considerar a maconha como uma droga perigosa, tendo em vista sua utilização por parte das camadas populares dos centros urbanos, cristalizando-se a idéia entre autoridades médicas e policiais a polissemia "pobre-preto-maconheiro-marginal-bandido" (MacRae & Simões,2000).

Este autor, ainda enfatiza que, em 1916, o já mencionado Dr. Rodrigues Dória, professor na Faculdade de Medicina da Bahia, ao apresentar um estudo durante o II Congresso Científico Pan- Americano, realizado em Washington, relata sobre o uso da maconha em cidades do Vale do São Francisco, onde feirantes, após o trabalho, fazem uso da cannabis em suas maricas(figura colocada abaixo) ou cachimbos recitando as "loas da maconha".
=== Destaque
Em maio de 2012, por decisão da maioria do seu Plenário, o Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 104339, declarou incidentalmente inconstitucional parte do artigo 44 da Lei 11343/2006, que proibia a concessão de liberdade provisória em caso de tráfico de entorpecentes.

A regra é o direito de responder a uma acusação criminal em liberdade.
Para decretar a provisória prisão preventiva, o Juiz precisa apresentar fatos e elementos que demonstrem a presença de seus requisitos, que são: de ordem pública, quando há provas de que em liberdade o indiciado poderá praticar outros crimes; para garantia da instrução criminal, quando o acusado estiver coagindo alguma testemunha; ou para assegurar a aplicação da lei penal, pois o denunciado pode fugir da cidade.
Tratam-se de alguns exemplos para se tirar, excepcionalmente, a liberdade de alguém.
O STF assegurou, assim, a necessidade da análise dos requisitos da prisão preventiva para a medida excepcional.

O Juiz não pode mais decretar a prisão de uma pessoa argumentando a vedação da lei à liberdade provisória, pois a Suprema Corte declarou sua inconstitucionalidade.
Tal medida é importantíssima, pois bem mais da metade dos presos no Brasil - constituída de primários, de bons antecedentes,com residência fixa, desarmados no momento do crime, sem pertencer à qualquer organização criminosa, e, pior, sem obrigar ninguém a comprar dele a droga tornada ilícita - está na cadeia por tráfico.
O senso comum leva a crer que os presos são poderosos traficantes, mas esses são franca minoria.
Os verdadeiros traficantes são milionários e bilionários que agem no sistema bancário em aplicações financeiras, compras de imóveis, mas esses nunca serão presos, porque a cadeia serve, com raríssimas exceções, para punir e controlar os pobres.

Mas não se deve pensar que não existe tipificação de crime para os financiadores.
Apesar de não podermos dar a conhecimento um caso concreto, cabe destacar o artigo 36 da Lei 11343/2006, que, por incrível que pareça, está em vigor:
“Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.”
A pena real para os verdadeiros traficantes e corruptos seria a perda dos bens, que está na Constituição, mas não está regulamentada em lei infraconstitucional, mesmo vigorando o inciso XLVI do seu artigo 5º da Carta Política:
“Art. 5º....
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;”
(O trecho destacado provêm da Revista Periferia, Volume III, Número 2)

Alguns nomes e  formas de consumo

No que tange a presença da maconha no folclore brasileiro, Câmara Cascudo (1954) reporta-se às várias denominações regionais que lhes são atribuídas, quais sejam: diamba, liamba, riamba, marijuana, rafi, fininho, baseado, morrão, cheio, fumo brabo, gongo, malva, fêmea; (e ainda acrescento chibaba). 
E de acordo com a forma e quantidade que a mesma é consumida podem ser chamadas de ópio do pobre (as folhas secas em forma de cigarros), morrão (com dois gramas), baseado (com um e setenta) e fininho (com um grama). Este autor ainda coloca que o óleo da liamba era muito utilizado nos catimbós e candomblés quando se tratava um trabalho difícil.
Há também o maricas que é um cachimbo confeccionado com uma garrafa,

                                   
 um cabaço ou feito de barro cozido, tendo um recipiente para fumaça ser lavada, comparando-se ao narguilé turco, que no Maranhão este cachimbo é chamado de boi (Câmara Cascudo, 1954; Monteiro 1965).
Bem, após esta incursão sobre um tema que deve ser contantemente debatido, pois assim, maiores esclarecimentos serão adquiridos e a consciência sobre as conseqüências do uso, suas propriefades terapêuticas e o contexto histórico, conhecidos em detalhes.
Termino com o poeta Charles Baudelaire.um dos integrantes do Clube dos comedores de haxixe..(nada mais há declarar).......
                                                  AO LEITOR
A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso espírito e o corpo viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.
Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.
Na almofada do mal é Satã Trimegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade então se evola
Por obra deste sábio que age sem ser visto.
É o Diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo o que repugna uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.
Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.
Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vícios imortais,
Um há mais feios, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;
É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu conheces, leitor, o monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!

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