quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Abdias do Nascimento

                        

Deputado, senador, escritor, poeta, dramaturgo, professor emérito e Doutor Honoris Causa em várias universidades no Brasil e no exterior, Abdias tem também um relevante trabalho como artista plástico e sua obra compõe um rico tesouro de referências sobre a ancestralidade africana, abrangendo a luta dos negros escravizados por liberdade, cidadania e direitos humanos.

Sua arte se insere numa visão mais ampla do desenvolvimento milenar da civilização africana em todo o mundo, pois abarca a história do africano como autor de saberes eruditos e criador de uma estética de profundo impacto e significado.
                                        
Reconhecido internacionalmente como uma das mais importantes personalidades brasileiras do século XX, Abdias Nascimento tem se dedicado à missão de recuperar a dignidade humana do povo negro e à defesa de uma identidade ideológica baseada na experiência histórica dos povos africanos e das diásporas nas Américas, Caribe e Pacífico.
Neto de africanos escravizados, filho de pai sapateiro e mãe doceira, Abdias Nascimento nasceu em 1914 na cidade de Franca (SP) e, desde criança, aprendeu com sua mãe que nunca deveria deixar sem resposta uma ofensa racial.
"Vinte e seis anos separam  a abolição da escravidão do nascimento de Abdias. Seus pais, porém, não haviam sido escravos, diferentemente de sua avó materna.
Isso demonstra que as feridas oriundas do mundo escravista ainda se encontravam abertas e podiam ser sentidas".(Macedo, 2005)
Em um trecho do trabalho cientifico " o pensamento social e político na obra de Abdias do Nascimento"de André Luis Pereira, é possível ler "[...] Na verdade a carreira militar descortinou para Abdias a primeira percepção de como funcionavam as relações raciais no Brasil. Ele percebeu que existia um racismo camuflado, velado entre a ridicularização de tudo aquilo que o negro produzia e a tolerância paternalista para com os negros engajados no serviço militar. O tratamento diferenciado entre negros e brancos no exército, apenas refletia o funcionamento da sociedade brasileira".
Entre julho e setembro de 1932, Abdias combateu na Revolução Constitucionalista de 1932, no Batalhão do general Euclides Figueiredo, atuando como cabo pelo lado de São Paulo. Durante a batalha, ficou a par da existência da Legião Negra, nome dado aos Batalhões compostos somente por negros e que atuaram nos conflitos de 1932, em São Paulo.
A Legião era formada por indivíduos que desligaram da Frente Negra Brasileira (FNB), pelo fato da entidade se posicionar de maneira neutra  em relação ao movimento revolucionário".
Abdias do Nascimento se engajou na Frente Negra Brasileira, que foi um importante movimento, iniciado em São Paulo em 1931, que tinha como principio o enfrentamento das atitudes racistas produzidas pela sociedade, para assim, alcançar a igualdade social. A "Frente", como era chamada pelos associados é considerada a primeira organização política e racial dos negros brasileiros (Guimarães, 1999,2002.2003; Butler, 1998. Andrews, 1991; Santos, 1985. Mitchel, 1077).

Educado em instituições e circulando onde sua condição racial era sempre evidenciada, o jovem negro aos poucos foi construído sua consciência racial, um processo que poderíamos denominar de  "tornar-se negro".( Macedo, 2005).

É possível inferir que em função da experiência pessoal com a realidade brasileira, Abdias, além da capacidade de abstrair teoricamente as nuances que desfavorecem os negros brasileiros, sabe da real condição enfrentada pelos negros, exatamente por ter vivido a mesma condição, e não apenas teorizado sobre elas.

Por ter sofrido duas prisões, uma em 1937, por criticar a ditadura Vargas, e distribuir panfletos que criticavam a implementação do Regime do Estado Novo, e a outra em 1944, por insubordinação no Exército e por ter se envolvido em uma confusão em um bar que causou sua exoneração na instituição.
Levado para a Penitenciária de Carandiru, onde passou dois anos, fundou o Teatro do Sentenciado, organizando um grupo de presos que dirigiam e interpretavam suas próprias criações dramáticas.
Assim, o  período de encarceramento é marcado por experiências como ator e diretor teatral.
Ao sair da prisão, no inicio de 1944, Nascimento estava decidido a implementar a idéia de fundar um teatro negro.
Logo foi criada uma das mais expressivas contribuições ao cenário artístico, social e político brasileiro, o Teatro Experimental do Negro (TEN).  O T.E.N foi mais muito mais do que um grupo teatral composto só por negros. Alem da parte artística - com varias peças centradas na temática racial - organizou concursos de beleza e artes plásticas, promoveu intensa atuação política-social através de convenções, conferencias, congressos, seminários, cursos de alfabetização e iniciação artístico-cultural para negros, editou um jornal intitulado Quilombo e alguns livros.(Macedo, 2005)      
                                               
"Nasceu em 1944, no rio de janeiro, o Teatro Experimental do Negro, ou T.E.N que se propunha a resgatar, no Brasil os valores de pessoa humana e da cultura negro-africana, degradados e negados por uma sociedade dominante que, desde o tempo da colônia, portava a bagagem mental de sua formação metropolitana européia, imbuída de conceitos pseudocientificos sobre a inferioridade da raça negra.
                                            

Propunha-se o T.E.N a trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, através da educação, da cultura e da arte. O T.E.N visava estabelecer o teatro, espelho e resumo da peripécia da existência humana, como o fórum de idéias, debates propostas, e ação visando à transformação das estruturas de dominação, opressão e exploração raciais implícitas na sociedade brasileira dominante, nos campos de sua cultura, economia, educação, política, meios de comunicação, justiça, administração publica, empresas articulares, vida social, e assim por diante.
Um teatro que ajudasse a construir um Brasil melhor, efetivamente justo e democrático, onde todas as raças e culturas fossem respeitadas em suas diferenças, mas iguais em direitos e oportunidades."
(Nascimento, Abdias do, Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões, ESTUDOS AVANÇOS 18 (50) 2004, pág 209-224 )
  Entre seus inúmeros feitos, o Teatro Experimental do Negro organizou o I Congresso do Negro Brasileiro em 1950 e transformou-se em uma iniciativa revolucionária, que buscava fazer com que os negros não continuassem representando para a diversão dos brancos, e sim afirmassem a sua verdadeira história, fortalecendo os valores da cultura tradicional africana.
Em 1968, em plena ditadura militar, Abdias fundou o Museu de Arte Negra com obras doadas por

                                                    

artistas comprometidos com a luta contra o racismo, mas sentindo a pressão de vários inquéritos policiais militares (IPMs), em novembro de 1968, deixou o país às vésperas do Ato Institucional nº 5 (AI5). Ministrou aulas, palestras e conferências em várias universidades norte-americanas e européias, sempre denunciando as práticas de racismo no Brasil.

No ano de 1977, participou do II Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas, realizado em Lagos (Nigéria), e propôs que o encontro adotasse como recomendação ao governo brasileiro o ensino compulsório da história e da cultura da África em todos os níveis da educação: elementar, secundário e superior.
De volta do exílio, Abdias estava no histórico 7 de julho de 1978, quando, perante três mil pessoas, foi lançado, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, o Movimento Negro Unificado
Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), com um manifesto que afirmava: "O MNUCDR foi criado para ser um instrumento de luta da comunidade negra".
Um adendo
Os conceitos pseudocienticos referidos pelo autor são oriundos, da cultura cientifica européia que a partir das idéias de classificação propostas por Carl von Lineu, criaram um padrão de referência, onde o modelo de exemplo, era a cultura do próprio classificador, que era colocada em uma posição superior ao objeto da observação, fato que gera distorções óbvias, quando trata de culturas exógenas, como mostrado no trecho que traduzo abaixo e que os motivos alegados para a infeiroridade dos povos terem sidos inseridos via "saber cientifico", inculcou nas sociedades européias o pensamento racista que perdura até os dias atuais e que alguns manifestam sem conhecer a verdadeira origem, ou seja, apenas reproduzem de forma irracional o  nefasto legado, e outros ainda manifestam-se por razões ideológicas, crendo na estupidez da eugenia.
Talvez, suscite no exposto acima, uma noção de ser um pensamento anacrônico, mas basta procurar na mídia, tanto televisiva quanto impressa e constatar que não há rostos negros como protagonistas de temas ou propagandas importantes, salvo em algumas raras exceções, encontra-se um ali outro acolá, isto em um país com mais da metade de sua população afro descendente.
Alguns temas estão atualmente sendo postos em evidência e cito a novela Vitória da rede Record, que expõe a temática de maneira crua e de forma explícita, sem a maquiagem de novela de época sobre a escravidão com suas colocações tolerantes e harmoniosas, diria até românticas, que fazem apologia ao mito do congraçamento das raças e tornam menos atual a situação do racismo, com isso desviando o foco da questão.
E também, observo que chega-se ao cúmulo de levar visitantes estrangeiros para visitar favelas, para terem contato, ou poderem ver pessoas não brancas, pois de outra forma, por força do  "status" que estão, somente veriam pessoas iguais, e teriam a errônea impressão que o Brasil é um pais predominantemente branco.
No livro penser le racisme de Michel Girod, pág.35-40 é narrado : "Le but de ce chapitre n'est pás de faire um inventaire de propôs et discours racistes tenus par les scientifiques, mais de montrer, à partir d'exemples suffisamment nombreux pour être significatifs, combien et comment les hommes de science, em particulier les naturalistes, ont été influencies pour las courants de pensée, voire les idéologies de leur époque et ont influencé à leur tour, certains peu, d'autres beaucoup, l'opinion de leurs congénères et des générations suivantes. Le nazisme, point culminant du racisme en Europe, apparaît non pas comme un cataclysme sans signes précurseurs, mais comme l'héritage d'une pensée raciste forgée et véhiculée pendant de décennies par des "savants"  et autre intelectuels bien pensants.
Depuis la fin de la Seconde Guerre mondiale, les dérapages sont encore fréquents, même s'ils prennent parfois une forme plus insidieuse.
Le "siècle des Lumières".. et des ombres
Ce que caractérise, nous dit-on, le "siécle dês Lumiéres" es le triomphe d la raison. Certes, la volonté encyclopédique de décrire  et d'analyser le monde de manière rationelle est l'un des traits du XVIII siècle, mais, em réalité, les croyances irrationnelles des siècles précédents n'ont os disparu. Elles ont seulement reçu une légitimité fondée sur ce que l'on pensait être le raisonnement et l'argumentation scientifique. " Avant le XVIII, note Christian Delacampagne (2000, p.142) , nous avions des rascismes formulés dans la langage du myte, à partir du XVIII siècle, nous avons um racisme qui prétend parler celui  de la science". 
Le XVIII siècle est l'époque où naturalistes nomment, classent, trient, hiérachisent les organismes vivants; c'est l'époque des classifications, de ce que l'on appele en biologie la taxionomie. Le pére de cette discipline est le grand naturaliste suedois Carl von Linné (1707 - 1778). Preocupe par l'ordre que preside à la diversité du vivant, Linné ést attaché á classer les espèces. Concernant l´homme, il a défini six races, quatre correspondent aux quatre continent (européen, américain, asiatique, africain ) dont les capacites intellectuelles et morales sont supposées aller em décroissant; les deux autres correspondent aux "sauvages" et aux "dégénérés". Qu´il s´agisse de l´homme ou des autres espèces vivantes, Linné considérait que c`etaient des créations divines, immuables et permanentes.
Á la même époque, em France, vivait le comte de Buffon (1717 - 1788), mathématicien et, lui aussi, excellent observateur de la nature. Membre de l´a Academie des sciences à vint-six ans, il est l´auteur d´une Homme Naturelle, ouvrage colossal de trente-six volumes dont um chapitre est consecré à la "dégénération des animaux". Dans cet ouvrage, Buffon émit une hypothése intérresante, mais étrange pour comteporain. Selon lui, un groupe humain pourrait subir des changements dans sés traits originaux, em particuler la couleur de la peau, si d´aventure il migrait dans une région caractérisée pour une autre climat. Pour vérifier la pertinece de cette hypothése, il suggère de "transporter quelques individus de cette race noir du Sénégal au Denemark où l´homme a communément la peau blanche, les chevaux blonds, les yeux bleus...". Il serait nécessaire, ajoute-t-il, de "cloîtrer ces Negrés avec leur famille et conserver soigneusement leur race, sans leur permettre de la croiser: ce moyen est le seul pour savoir combien il faudrait de temps pour réintégrer la nature de l´homme et, par le même raison, combien il en a fallu pour changer du blanc au Noir". Il ne fault pás oublier qu´á l´époque de Buffon, l´escravage battait son plein. C´est évidemment por cette raison qu´il n´a  pas envisagé de transporter au Sénegal quelques spécimens danois pour déterminer le temps nécessaire à l´acquisition d´une peau noire! . Em soutenant ailleurs que "le negré est à l´homme ce que l´âne est au cheval", il est évident que Buffon ne fait que donner aux préjuges de son époque um habillage pseudoscientifique. Il n´en rest pas  mois vrai que, jouant d´une réputation dans les milieux intellectuels, ses idées ne sont pas restées cantonneés dans le cercle restreint des savants. Intendant du Jardin du Roi, cet ami de Voltaire et de Mme Pompadour fréquentait plusieurs salons parisiens prestigieux. 
Dans le dernier  quart du XVIII siècle, quelques rares savants commencèrant à réaliser que l´homme porrait être ètudie de la même façon que le autres animaux, et qu´il serait instructif de definir et de comparer les caractères anatomiques des uns et des autres. Cette  période marque le début de ce que l´on appelle l´anthropologie physique. Johann Friedrich Blumenbach (1752 - 1840) fut l´un de pères de cette nouvelle discipline. Tout en partegeant les idées de Linné sur l´origine des espèces, il voit dans le cinq races qu´il a mettre en évidence une communauté d´origine. La race "caucasienne" (pour lui, la plus élégante et la plus harmonieuse) serait la race humaine originelle à partir de laquelle les autres ("americaine","africaine", "mongolienne", et "malaise") auraient divérge par dégénérescence (G. Friedrickson, 2003, p.65).
Emmanuel Kant (1724 - 1804), le fameux auteur de la Critique de la raison pure, a écrit, lui aussi, à la fin de sa vie (1788) une Anthropologie dans laquelle il situe les Noirs  au bas  de l´échelle humaine, qualifie les Juifs d´usuriers et d´escrocs, et soutient que les femmes doivent occuper dans la sociéte une position subordonné à celle l´homme. (Il est utile de noter ici que racisme et discrimination sexuelle ont des points communs et que Kant, s´il est un précurser, nést pas le seul à mettre la femme en bas de l´échelle de l´évolution humaine!) 
Dans un livré déja cité, Christian Delacampagne soutient à juste titre que ce sont " les préjugés racistes, assortis de justifications pseudo-biologiques, qui dominent la scène intellectuelle tout u long du siècle des Lumières et qui continueront à dominer le siècle suivant". Il ajoute: "L´idée selon laquelle il y aurait des races supérieures (la race blanche ou la race claire) et  des races inférieures (les races de couleur ou races foncées) présdestinées par leur contitution physique à obéir aux précédentes est déjà, au tornant du XVIII et du XIX siècle, une idée trés ancrée dans l´esprit d´un grand nombre de savants et philosophes européens [....]. Au fil des années, cette idée sortira du cercle étroit des érudits pour se diffuser gans l´opinion publique".(Ch. Delacampagne, 2000, p 153-154).
Rare sont les savants et intellectuels du XVIII siécle qui exprimèrent des opinions plus lucides et altruistes. Parmi ceux-ci, il faut citer avant tout Condorcet(1743 - 1794) dont la carrière politique fut tout aussi remarquable que la destinée scientifique. Mathématicien déjà célèbre à vint-cinq ans, secrétaire perpétuel de l´Academie de sciences á trente deux ans, il est également um homme passioné de justice. Philosophe engangé, luttant contre toutes les formes d`obscurantisme, parlant avec ferveur de l´igalité et de l´fraternité, il prend clairement position contre le traites dês Noirs et l´esclavage, mais il faudra attendre encore soixante-dix ans (1848) pour que ce dernier soit oficiellement aboli em France.
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A tradução
O objetivo desse capitulo não é fazer um inventário das propostas e discursos racistas tidos por científicos, mas de mostrar, a partir de exemplos suficientemente numerosos por serem significantes, quanto e como os homens da ciência, em particular os naturalistas, foram influenciados pelas correntes de pensamento, através das ideologias de suas épocas e influenciarão por seu turno, certos medos, de outros em demasia, a opinião de seus congêneres, e das gerações seguintes.
O nazismo, ponto culminante do racismo na Europa, apareceu não como um cataclísma sem sinais precursores, mas sim como uma herança do pensamento racista forjado e veiculado durante os decênios pelos "sábios", e outros intelectuais bem pensantes.
Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as escorregadas são ainda freqüentes, mesmo quando elas apresentam por vezes uma forma mais insidiosa
O "século das Luzes"....e das sombras".
Por suas características, nos diremos, "o século das luzes" é o triunfo da razão. Certos, a vontade enciclopédica de descrever e de analisar o mundo de maneira racional foi um dos traços do século 18, mas, na realidade, as cenças irracionais dos séculos precedentes não desapareceram.
Eles foram somente recebidos como um legítimo fundamento sobre o que pensaram ser a racionalização e a argumentação cientifica. "Antes do século 18, nota Christian Delacampgne (2000, p.142), nos teremos o racismo formulado pela linguagem do mito, à partir do século 18, nos teremos um racismo que pretende falar dele mesmo pela ciência".
O século 18 é a época omde os naturalistas nomeavam, classificavam, escolhiam, hierarquizavam os organismos vivos; é esta a época das classificações, a qual chamamos de biologia e taxionomia. O pai dessa disciplina é o grande naturalista sueco Carl Von Linné (1707 - 1778). Preocupado com ordem que preside a diversidade dos seres viventes, Linné se propôs a classificar as espécies. Concernente ao homem, ele definiu seis raças, quatro correspondendo aos quatro continentes (europeu, americano, asiático, africano) de onde as capacidades intelectuais e morais são por suposição indo em direção a um decaimento; os dois outros correspondem aos "selvagens" e aos "degenerados".
No posicionamento do homem e as outras espécies viventes, Linné considerava que eles eram creações divinas, imutáveis e permanentes.
Na mesma época, na França, vivia o conde de Buffon (1717 - 1788), matemático e também um excelente observador da natureza. Membro da Academia das Ciências aos vinte anos, ele o autor

                                                    

do Homme Naturelle, obra colossal de trinta e seis volumes onde um capitulo é consagrado a "degeneração dos animais".
Nesta obra Buffon emite uma hipótese interessante, mas estranha para os contemporâneos. Segundo ele, um grupo humano poderá subir das mudanças de seus traços originais, em particular da cor da pele, se aventurar de imigrar de uma região de clima característico
para outra de outro clima.. Para verificar a pertinência dessa hipótese, ele sugeriu de " transportar quaisquer indivíduos de certa raça negra do Senegal para a Dinamarca onde os homens são comumente de pele branca, os cabelos loiros, e os olhos azuis....". E será necessário, acrescentou ele, de "internar estes negros com uma família e conservar rigorosamente a sua raça, sem permitir
cruzamentos; por este meio se poderá saber quanto tempo é preciso para reintegrar a natureza do homem e, pela mesma razão, quanto ele demora para trocar do branco ao Negro". Não se pode esquecer que na época de Buffon, a escravidão estava no apogeu. E evidentemente por esta razão que ele não pode viabilizar o transporte para o Senegal quaisquer especimens dinamarquês para determinar o tempo necessário para a aquisição da pele negra!
E assim afirmando que "o negro está para o homem assim como o asno está para o cavalo", está evidente que Buffon não faz mais que dar aos preconceitos de sua época uma roupagem pseudocientifica. E não é menos verdade que, gozando de uma reputação de um dos melhores intelectuais, suas idéias não ficam restritas aos círculos dos pensadores. Freqüentador do Jardim do rei, este amigo de Madame Pompador freqüentador de muitos salões parienses prestigiosos.

No último quarto do século 18, alguns raros pensadores começaram a idealizar que o homem poderia ser estudado da mesma forma que os outros animais, e que isso seria instrutivo o ato de definir e de comparar as características anatômicas de um e do outro. Este período marcou o começo daquilo que se chamou a antropologia física Johann Friedrich Blumenbach (1752 – 1840) foi on dos pais desta nova disciplina. Tudo em parceria com as idéias de Lineu sobre a origem das espécies, e com a visão das cinco raças ele colocou em evidência uma comunidade de origem.
A raça “caucasiana” (por ele, a mais elegante e a mais harmoniosa) seria a raça humana original a da qual as outras (“americana”, “africana”, “ mongolíca”, e “malaia”) teriam divergido para a degenerescência. (G. Friedrickson, 2003, p.65).

Emmanuel Kant (1724 - 1804), o famoso autor da Critica da Razão Pura, escreveu, ele também, no fim de sua vida (1788) uma Antropologia na qual ele situa os Negros em baixo da escala humana, qualificando os Judeus de usurários e escroques, e afirmando que as mulheres deveriam ocupar na sociedade uma posição subordinada aquela dos homens.(é útil aqui que o racismo e discriminação sexual são os pontos comuns e que Kant, torna-se o precursor, não só colocando a mulher embaixo da escala da evolução humana!)
Em um livro já citado, Christian Delacampagne afirmou em um justo titulo  que é “ Os preconceitos racistas, arranjo de justificativas pseudo-biologicas, que dominam a cena intelectual toda ao longo do século das Luzes e que continuarão a dominar no século século seguinte”. Ele acrescenta “ A idéia segundo aquela que existe, raças superiores (a raça branca  ou a raça clara) e das raças inferiores (as raças de outras cores ou mais escuras) predistinadas por sua constituição física  a obedecer aos precedentes dela, ao redor do século 18 e do 19, uma idéia muito fixada no espírito de um grande número de pensadores e filósofos europeus [...] Ao longo destes anos, essa idéia sairá do circulo estreito dos eruditos para se difundir na opinião pública.”. (Ch. Delacampagne, 2000, p 153-154).
Raros são os pensadores e intelectuais do século 18 que se exprimirão por opiniões mais lúcidas e altruistas. Entre eles, é preciso citar antes de tudo Condorcet(1743 – 1794) do qual a carreira política foi também tão notável quanto a científica. Matemático já celebre aos vinte e cinco anos, secretário perpétuo da Academia de Ciências aos trinta e dois anos, ele era igualmente um homem apaixonado pela justiça. Filosofo enganjado, lutando contra todas as formas de obscurantismo, falando com fervor de igualdade e de fraternidade, ele toma claramente posição contra os tratos dos Negros e a escravidão, mas foi preciso esperar ainda setenta anos (1848) para que finalmente fosse oficialmente abolida na França.

Com o exposto acima, não quero denegrir os pareceres cientificos lúcidos, e progressistas à favor da humanidade, mas fica claro que mentes supostamente esclarecidas, podem causar danos que somete muito tempo depois poderão talvez, ser reparados caso, assim se proceda, certamente.
Para os afrodescendentes adiciono o seguinte trecho [...] as vozes ancestrais sempre brotam de nossos porões, daquilo que trancafiamos sem nos darmos conta do que fazemos, ao negligenciarmos a ancestralidade que vive através de nós mesmos.
Daí a dificuldade em lidarmos com as questões concretas e pragmáticas da vida cotidiana.
É preciso ouvir as vozes que ecoam. E elas sempre ecoam de dentro. Por isso também a sugestiva atualização no jongo recopilado pela saudosa Clementina de Jesus em que se afirma na corruptela de sangoma como cangoma na herança moçambicana: “Tava drumindo... Cangoma me chamou. Disse: Levanta povo, cativeiro já acabou!” (FERREIRA SANTOS, 2002).

As vozes ancestrais adormecem em nosso inconsciente... estamos sempre “drumindo”... até que as vozes ancestrais nos chamem. Inflama-se, então, a chama ancestral que ilumina nosso ser no mundo. Daí também o receio de ouvir e afastar tudo que possa nos aproximar de nós mesmos.
Este medo é o que nos leva a “calcar o sonho, matar a viagem ainda no ovo da fantasia” (COUTO, 2003: 66).

Para todos os que sofrem ações preconceituosas e que por vezes não entendem por que tal fato ocorre, espero ter ajudado no caminho dessa difícil compreensão, mostrando tanto o bushido (caminho do guerreiro) de Abdias do Nascimento, exemplo e motivo de orgulho para os afro descendentes e aos desprovidos de  preconceitos, e também, as razões que baseadas em um psedo-saber cientifico que de forma subliminar, ainda move mentes e corações pelo Brasil e no mundo.

E como os Areaes eternos sentissem fome e sentissem sede de flagelar,
devorando com as suas mil boccas tórridas todas as rosas
da Maldição e do Esquecimento infinito, lembraram-se,
então, symbolicamente, da África!
(Cruz e Souza, 1924)1
(...)
Ó bocca em chammas, bocca em chammas,
Da mais sinistra e negra voz,
Que clamas, clamas, clamas, clamas
N’um cataclismo estranho, atroz (...)
Resume todos esses travos
Que a terra fazem languescer.
De mãos e pés arranca os cravos
Das cruzes mil de cada Ser.
A terra é mãe! – mas ébria e louca
Tem gérmens bons e gérmens vis...
Bemdita seja a negra bocca
Que tão malditas cousas diz!
(Cruz e Souza, 1923)

1 Cruz e Souza, Dor Negra. In: Evocações. Obras Completas de Cruz e Souza, vol. II, Prosa. Rio de Janeiro:
Annuario do Brasil, 1924, p.228 (obs.: conservada a forma ortográfica dos originais).
2 Cruz e Souza, Canção Negra. In: Pharóes. Obras Completas de Cruz e Souza, vol. I, Poesia. Rio de Janeiro:
Annuario do Brasil, 1923, p.257 (obs.: conservada a forma ortográfica dos originais).



                         

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