Da
mesma forma quando publiquei a primeira postagem e nela declarei que
non
sine aliquo
metus
escribo, pois
entendo que determinadas palavras depois de escritas e posteriormente
lidas criam marcas no autor tais como escariações que embora invisíveis para o mesmo são
identificáveis para quem as lê.
lidas criam marcas no autor tais como escariações que embora invisíveis para o mesmo são
identificáveis para quem as lê.
Nessa postagem vou abordar o cais do Valongo no rio de janeiro que foi declarado
patrimônio da humanidade pela Unesco -
(Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) ... -
Cultura) ... -
O cais do Valongo além de apresentar a singularidade explicada no texto que extrai da revista Carta capital (edição eletrônica 13/07/2017 ) também evocou para mim as explicações de fatos históricos relatados pelo historiador Luis Felipe de Alencastro em seu livro Trato dos Viventes, fatos que já foram citados na postagem Africae Brasilia Museus e o AfroBrasil deste blog, onde destaco a citação sobre a bula Romanus Pontifex chancelada pelo papa Nicolau V em 1455 autorizando a escravidão dos africanos, primeiramente os libertos das guerras das cruzadas com a alegação que após a conversão pelo batismo teriam suas almas salvas.
Posteriormente, o padre Antonio Vieira pregou para os escravos negros dos engenhos da Bahia. A escravidão negra, para ele estava em consonância com os próprios interesses econômicos professados pela Companhia de Jesus ao longo dos 210 anos (1549- 1759) em que perdurou sua hegemonia educacional no Brasil. ( R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 84, n. 206/207/208, p. 43-53, jan./dez. 2003. 43).
Fatos com estes e outros que estão mais abaixo, pela gravidade que possuem fazem-me acreditar que deveria haver uma retratação nos moldes da que foi feita ao físico Galileu Galilei que embora tenha demorado cerca de 300 anos,não os danos das ações que foram desencadeadas após a chancela da da bula papal. Pois, esta em minha opinião, criou uma mácula na etnia negra provocando milhões de mortes pela ação da escravidão no passado em conjunto com a colonização europeia da África e da América do Sul criando a eiva hedionda do preconceito que continua matando em pleno século XXI.
Chamo a atenção para o fato que a África perdeu parte de sua população produtiva, fato de onde podemos inferir que parte de seus problema tenham relação com essas perdas. Bem, creio que entrei em contradição com a frase do início- non sine aliquo metus escribo- , destarte, coloco os relatos dos pesquisadores que possuem as competências para as análises históricas.
A história do Valongo enquanto entreposto comercial inicia-se, na verdade, na
antiga Rua Direita, atual Primeiro de Março. Ali, bem na entrada da cidade, era praticado o comércio de almas sem pudor algum.( REVISTA DE HISTÓRIA COMPARADA, Rio de Janeiro, 7,1: 218-243, 2013. 219)
Trecho extraido da revista Carta Capital (tomei a liberdade de inserir alguns grifos e foto)
Diferentemente de outros 20 sítios no Brasil igualmente reconhecidos pela ONU, as pedras pisadas do cais por mulheres e homens trazidos à força da África em navios negreiros foram eleitas não apenas por seu valor arqueológico, arquitetônico ou mesmo histórico, mas, principalmente, por formarem um local considerado de "memória sensível" – mesmo caso, por exemplo, do campo de extermínio nazista de Auschwitz.
Um lugar, portanto, de sofrimento, símbolo de um crime contra a humanidade.
"O Valongo é o mais importante, o mais significativo sítio de memória da diáspora africana na América.
É o único vestígio material que temos do desembarque de africanos escravizados por aqui", afirma o antropólogo Milton Guran, coordenador do grupo de trabalho que elaborou o dossiê da candidatura do cais à Patrimônio Mundial da Humanidade.
Não se trata de um ponto de desembarque qualquer: dos 4 milhões de africanos escravizados que vieram para o Brasil em 300 anos de tráfico, 2,4 milhões entraram no País pelo Rio de Janeiro, 1 milhão deles pelo Valongo, entre 1774 e 1831 – muito mais gente do que os Estados Unidos receberam (cerca de 400 mil) em toda a sua história de tráfico.
"O Cais do Valongo é o mais importante complexo negreiro do mais importante País na história da diáspora africana na era moderna, que é o Brasil", resume o historiador Carlos Eugênio Líbano Soares, da UFRJ. "Nunca antes tantos africanos chegaram em tão pouco tempo a uma região do mundo atlântico."
Segundo Guran, isso explica a importância do reconhecimento. "O Valongo não simboliza só a parte material, imediata, o porto de desembarque, mas toda a tragédia do tráfico no Atlântico, esse crime contra a humanidade", explica Guran, que também é integrante do comitê científico internacional do projeto Rota do Escravo, da Unesco, que busca mapear os caminhos da diáspora pelo mundo.
Segundo o antropólogo, todos os outros sítios reconhecidos como patrimônio mundial ligados à escravidão estão na África. Esta é uma diferença crucial no que diz respeito ao reconhecimento da escravidão no Brasil, segundo especialistas.
"Sempre se trabalhou muito no viés da história oficial, que apagou a presença do negro na cultura e no processo civilizatório do Brasil", afirma o diretor do Departamento do Patrimônio Material do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Andrey Schlee. "Estamos tentando resgatar a importância dessa contribuição. Superamos a fase de valorizar áreas da classe dominante."
www.youtube.com/channel/UCvxwcscczJW61Z-yu8PHbwQ
Para mim, os fatos da historia do Brasil são colocados no limbo para que a população não afirme sua própria identidade e por consequência adquira consciência das causas de seus problemas sociais e econômicos, favorecendo assim, os discursos da classe dominante conforme supra citado. Por exemplo,[..] Antônio Vieira se destacou por ser um pregador facundo, principalmente no que diz respeito aos seus sermões. A respeito destes últimos, eram impregnados de filosofia, o que o levava a se considerar um filósofo que tratava apenas de assuntos cristãos. Por algum tempo esteve politicamente envolvido com a Inquisição, período no qual foi acusado até mesmo de traição por defender, além dos índios, os novos cristãos, principalmente os judeus. Sofreu condenação, dita como branda, por parte da Inquisição: ficou preso por dois anos (1665-1667) e foi impedido de dar palavra. Vieira usou seu dom da retórica para falar com o papa a respeito desta condenação, o qual o absolve de toda censura ainda existente. Logo após, Antônio Vieira foi a Roma, onde assumiu novamente seu papel oratório. Em 1681, decidiu regressar ao Brasil, onde faleceu, em 1697, no Colégio da Bahia.(http://brasilescola.uol.com.br/literatura/padre-antonio-vieira.htm)
Agora, análises mais detalhadas sobre a atuação do mesmo na história da escravidão no Brasil.
A pedagogia da escravidão nos Sermões do Rosário
(R.
bras. Est. pedag., Brasília, v. 84, n. 206/207/208, p. 43-53,
jan./dez. 2003.)
A
escravidão africana no Brasil remonta aos primórdios do processo
colonizador.
Na
Colônia, “desde 1539 – segundo Maurício Goulart (1975, p. 56)
–, jamais se cessara de clamar contra a falta de negros para o
tamanho das terras e o trabalho nos engenhos”.
A
estimativa é de que “entre os séculos 16 e 19 desembarcaram em
portos brasileiros cerca de quatro entre cada dez africanos
importados pelas Américas” (Florentino, 1995, p. 25).
A
escravidão constituiu-se, assim, em estratégia de “sobrevivência
para o colono europeu na nova terra” (Furtado, 1977, p. 41).
No
dizer de Sérgio Buarque de Holanda (1995, p. 49), o modelo colonial
português assentado no latifúndio, na escravidão e na monocultura
engendrou, nos trópicos, uma conformação econômica fundada na
“produção de índole econômica fundada na “produção de
índole semicapitalista, orientada sobretudo para consumo externo”.
Essa
base material produziu uma estrutura societária centrada na figura
dos “senhores de engenho, opulentos,arbitrários, desdenhosos da
burocracia, com a palavra desafiadora à flor dos lábios, rodeados
de vassalos prontos a obedecer-lhes ao grito de rebeldia”
(Faoro,1989, v. 1, p. 127).
Foi
nesse contexto histórico que o Padre Antonio Vieira pregou para os
escravos negros dos engenhos da Bahia.
A
escravidão negra, para ele, estava em consonância com os próprios
interesses econômicos professados pela Companhia de Jesus ao longo
dos 210 anos (1549-1759) em que perdurou a sua hegemonia educacional
no Brasil. A base material de sustentação da missão evangelizadora
dos jesuítas, notadamente dos colégios mantidos pela Ordem, foi a
unidade produtora típica do Brasil dos séculos 16 e 17:
a fazenda
de agropecuária sustentada pelo braço escravo. Durante os dois
primeiros séculos do período colonial, a “Companhia de Jesus era
provavelmente a maior proprietária de escravos do Brasil;
seguramente possuía o maior número de escravos existentes em uma só
fazenda em toda a América colonial” (Alden, 1970, p. 36).
A
evidência desse fato pode ser comprovada desde o início da
colonização. Em uma carta,datada de setembro de 1551, o padre
Manoel da Nóbrega (1956, v. 1, p. 293) já reivindica a D. João
III, Rei de Portugal, que lhes conceda escravos e, para justificar o
pedido, menciona a manutenção dos “meninos” que freqüentavam
as casas de bê-ábá, como se lê:
[...]
mande ao Governador[-Geral do Brasil] que faça cassas pera os
meninos, porque as que tem sam feitas por nosas mãos e são de
pouqua dura, e mande dar alguns escravos de Guiné hà cassa pera
fazerem mantimentos, porque a terra hé tam fertil, que facilmente se
manterão e vestirão muitos meninos, se tiverem alguns escravos que
fação roças de mantimentos e algodoais.
As
condições de vida e trabalho dos escravos negros no Brasil Colonial
eram brutalmente desumanas.
Avalia-se
que a média de vida de um escravo no engenho de açúcar,durante os
séculos 16 e 17, era de sete anos (Simonsen, 1969, p. 134); pois, “o
serviço é insoffrivel, sempre os serventes andam correndo, e por
isso morrem muitos escravos” – registrou, em 1584, o padreFernão
Cardim (1939, p. 283).
Inicialmente,o indivíduo feito cativo nas
costas ocidentais da África era coisificado como mercadoria de um
“desmedido
comércio de seres humanos organizado entre dois territórios da
mesma metrópole [e] entre duas províncias da mesma Companhia de
Jesus”(Alencastro,
2000, p. 154).
Depois, era vendido como escravo e incorporado a uma massa de
trabalhadores,particularmente nos engenhos de açúcar, desprovido de
quaisquer direitos.
Os
escravos de origem africana, segundo o historiador holandês Gaspar
Barléu (1940, p.65), eram “tolerantíssimos dos labores”.
Além
disso, “alimenta[va]m-se com pouco.
Nascidos
para sofrerem a inclemência da natureza e miséria da servidão”.
A
tirania sofrida pelos negros nas terras brasílicas tinha na
violência física,protagonizada pelo senhor de engenho, a sua forma
mais contundente de subjugação.
Uma
das fontes geradoras dessa opressão inaudita era o problema da
comunicação entre senhor e escravo, ou seja,a relação entre o
explorador (a voz de mando) e o explorado (o executor da ordem) no
processo de produção material da riqueza colonial. Com origens
étnicoculturais diferentes, os “escravos africanos falantes de
diferentes línguas, foram obrigados a se comunicar na língua de
seus opressores europeus, sem oportunidade de aprendê-la
perfeitamente”. Nesse contexto,não havia outra maneira de se
apropriar da língua do dominador a não ser no âmbito das relações
escravistas de produção. Assim,desenvolvia-se “uma língua
simplificada, que não é [era] a língua materna de ninguém”(Moore,
Storto, 2002, p. 76).
Diante
da brutalidade desse regime social, o padre Antonio Viera não
permaneceu insensível à dimensão do infortúnio,embora,contraditoriamente, buscasse justificá-lo.
Eis,
por exemplo, a alegoria que construiu para explicar o papel que o
negro deveria desempenhar no âmbito do engenho:
[...]
não se pudéra, nem melhor nem mais altamente, descrever que coisa é
ser escravo em um engenho do Brasil. Não há trabalho, nem genero de
vida no mundo mais parecido á Cruz e Paixão de Christo, que o vosso
em um d’estes engenhos (Vieira,
1945a, v. XI, p. 309).
Para
ele, em termos de sofrimento, o engenho era a cruz e o negro a
própria imitação do Cristo mortificado que redimiu a humanidade do
pecado original. Mas, para Alfredo
Bosi (1992,
p. 148), “a
moral da cruz-para-os-outros [sic] é uma arma reacionária que,
através dos séculos, tem legitimado a espoliação do trabalho
humano em benefício
de uma ordem cruenta”.
Além disso, no mundo real das relações de produção,o escravo do
Brasil Colonial era apenas a engrenagem principal da máquina
mercantilista que alimentou historicamente a acumulação primitiva
do capital necessário à Revolução Industrial do século 19.
Nesse
contexto, a ação missionária dos padres jesuítas em relação aos
escravos desafricanizados desempenhava a função de conformação
cultural da superestrutura societária colonial. A propósito, eis
como Serafim Leite (1938, t. II, p. 358) descreve o sentido da práxis
evangelizadora dos inacianos dirigida aos escravos:
[...]
a assistência dos Padres aos negros tinha, sob o aspecto de
pacificação, importância capital: tornava-se útil para os negros,
porque os instruía, ajudava e consolava;
útil
aos moradores, porque, andando os negros tranqüilos, a vida no
Brasil seguia em paz; útil para o Estado (ou como então se dizia,
para a fazenda real), porque na paz prosperava a agricultura e a
indústria açucareira, criava-se fonte de riqueza e, com ela, fontes
de rendimentos públicos. Não menor era o impacto moral. [...]
Os
escravos, em contacto com os Jesuítas, não fugiam para os mocambos
[quilombos], não furtavam, não se amancebavam, não se embriagavam,
e diziam que, se procediam assim, é porque se confessavam com os
Jesuítas.
É
nessa perspectiva que os Sermões do Rosário revestem-se de sentido
pedagógico, ou seja, a pregação de Vieira aos “pretos da
Ethyopia” propugnava impor-lhes a concepção de mundo fundada na
aceitação da escravidão.
Com
esse intento, pronunciou-se no XX “Sermão do Rosário”, em que
aborda os três elementos de distinção dos senhores em relação
aos escravos:
“nome,
côr e fortuna”. Os seus argumentos retóricos aqui revelam
claramente a arte do convencimento. Todas as idéias estão
habilmente encadeadas para demonstrar a similitude entre a condição
dos escravos e a de Jesus: a sua origem escrava, a pobreza,
o sofrimento e, ainda mais, o pioneirismo na divulgação do
cristianismo pelos “pretos”.
Sustentando que em nenhum
dos três quesitos (nome, cor e fortuna) havia superioridade dos
brancos,
começa
evocando a origem escrava de Jesus
e lembra que Maria, ao saber que seria a mãe do Filho de Deus,
dissera: “Eis aqui a escrava do Senhor” e “antes de ser mãe se
chamou escrava”, portanto, Jesus, ao nascer, “em quanto Filho de
seu Pai, é Senhor dos homens; mas enquanto Filho de sua Mãe, quis a
mesma Mãe, que fôsse também escravo dos mesmos homens”, posto
que o parto, “segundo as leis, não segue a condição do pai,
senão da mãe”. Mais adiante, enaltecendo a condição de Maria,
afirma que “Deus não poz os olhos na magestade e grandeza das
senhoras, senão na humildade e baixeza da escrava” (Vieira, 1948a,
v. XII, p. 91-93 e 97).
Ainda
nesse mesmo Sermão, enfatiza que: “quando os Apostólos repartiram
entre si o mundo, coube a S. Matheus a Ethiopia; mas quando lá
chegou” o Evangelho já tinha sido divulgado “pelo primeiro
Apostolo da sua patria [São Filippe], da mesma nação, da mesma
lingua, e da mesma côr que os outros Ethiopes”, o que comprovaria a
“antecipada diligencia com que os pretos se adiantaram a pregar a
fé e veneração de Christo” (Vieira, 1948a, v. XII,p. 107).
Logo
em seguida, indaga da religião dos próprios portugueses naqueles
tempos bíblicos para responder:
O
que se acha em pedras e inscripções antigas é que dedicaram templo
a
Octaviano
Augusto, templo a Trajano, e a todos os deuses [...]. E quando os
portuguezes, sem se lhes fazerem as faces vermelhas na sua brancura,
reconheciam divindade n’estes monstros da ambição e de todos os
vícios, os pretos nos seus altares adoravam o verdadeiro Filho de
Deus e a verdadeira mãe do mesmo Filho (Vieira, 1948a, v. XII, p.
108).
Depois,
ao abordar o terceiro elemento,diz:
[...]
só resta a ultima razão, ou sem razão, porque os senhores
desprezam os escravos, que é a vileza e miseria da sua fortuna.
Oh
fortuna! [...] Virá tempo, e não tardará muito, em que esta roda
dê volta, e então se verá, qual é melhor fortuna, se a vil e
desprezada dos escravos ou a nobre e honrada dos senhores (Vieira,
1948a, v.XII, p. 113).
Prosseguindo,
buscou assemelhar a “fortuna” do negro à de Lázaro
estabelecendo comparações históricas: “Digam-me os ricos quem
foi este rico e os pobres quem foi este Lázaro? O rico foi o que
são hoje os que se chamam senhores, e Lázaro foi o que são hoje
os pobres escravos” (Vieira, 1948, v.XII, p. 114).
Mas,
condenando as tiranias, lastimando a situação triste dos oprimidos,
quando assim os consolava da desigualdade de sua condição, o fim do
orador era incutir-lhes conformidade, tal como analisou J. Lúcio
Azevedo (1931, t. 2, p. 285):
Nem ele podia condenar a escravidão. A isso o forçava a coerência,
desde que sempre advogara se trouxessem escravos de África, para
libertar os índios do obrigatório serviço. O Brasil tem o corpo na
América e a alma na África, escrevera ele [...]
Sem
negros não haveria trabalho: era o argumento da necessidade. O de
que por esse meio se salvavam tantas almas ignorantes de Deus
escondia-lhe o horror do acto injusto.
O
mesmo raciocínio podia convir aos índios, mas esse não o admitia.
Mas
observemos outros elementos da aculturação nos seus Sermões: “a
gente preta tirada das brenhas da sua Ethyopia,e passada ao Brazil,
conhecera bem quanto deve a Deus [...], por este que pode parecer
desterro, captiveiro, e desgraça, e não é senão um milagre, e
grande milagre!” (Vieira, 1945a, v. XI, p. 305). Já o XXVII Sermão
nos põe em contato com uma retórica tocante sobre as duas partes do
homem – corpo e alma – cuja finalidade era mostrar que só era
escrava uma delas: “Sois captivos n’aquella metade exterior e
mais vil
de vós mesmos, que é o corpo; porém na outra metade interior e
notabilissima que é a alma [...], não sois captivos, mas livres”.
Mas
a liberdade, como se depreende de suas palavras, deveria tomar um
único caminho:
o
da conversão. Advertindo para o perigo de se “vender a alma ao
demonio”, professava que a alma não convertida consistia em pior
cativeiro que o do corpo, “e d’este captiveiro tão difficultoso,
e tão temoroso
e tão immenso é que eu vos prometto a carta de alforria pela
devoção do Rosario da Mãe do mesmo Deus” (Vieira, 1948b, v. XII,
p. 340-341 e 350).
Livres
do maior e mais pesado cativeiro,que era o das almas, ainda
permaneceriam escravos do corpo. Mas, nesse ponto,deparamo-nos com a
argumentação mais impressionante tendente ao conformismo.
Admitindo
ser “triste e miserável servir sem esperança de premio em toda a
vida, e trabalhar sem esperança de descanço, senão na
sepultura” afirma que nisto residia o “bom remedio” pregado
pelo Apóstolo Paulo:
“O
remédio é que quando servis a vossos senhores, não os sirvaes como
quem serve a homens, senão como quem serve a Deus [...]
porque
Deus vos ha-de pagar o vosso trabalho” (Vieira, 1948b, v. XII, p.
358).
Mais
adiante,evoca Pedro, que depois de falar com os cristãos em geral:
[...]
se dilata mais com os escravos e os anima a supportarem a sua fortuna
com toda a magestade de razões. [...] e logo ajunta as razões
dignas de se darem aos mais nobres e generosos espiritos. Primeira:
porque a gloria da paciencia é padecer sem culpa [...]
Segunda:
porque
essa é a graça com que os homens se fazem mais aceitos a Deus
[...].
Terceira, e verdadeiramente estupenda:
porque
n’esse estado em que Deus vos poz, é a vossa vocação semelhante
á de seu Filho, o qual padeceu por nós, deixandovos
o
exemplo, que haveis de imitar. [...]
Não
compara a vocação dos escravos a outro
grau,
ou estado da Igreja, senão ao mesmo Christo. Mais ainda.
Não
pára aqui o Apostolo; mas acrescenta outra nova e maior
prerrogativa
dos escravos, declarando por
quem
padeceu Christo [...] A Paixão de Christo teve dois fins: o remedio
e o exemplo.
O
remedio foi univesal para todos nós,mas o exemplo não resta duvida
. Pedro afirmar que foi particularmente para os escravos
[...]
e porque? Porque nenhum estado
há
entre todos mais apparelhado no que naturalmente padece, para imitar
a paciencia de Christo e seguir as pisadas de seu exemplo (Vieira,
1948b, v. XII, p. 359-360).
Conclui
afirmando que os escravos não
deveriam
trabalhar de má vontade pois se nessa vida eles serviam aos
senhores, acaso não
seria uma mudança notável se na outra
vida
os senhores lhes servissem? Não, responde ele próprio. Isto seria
muito pouco porque:
[...]
esta grande mudança de fortuna que
digo
não há-de ser entre vós e elles, senão entre vós e Deus. Os que
vos hão-de servir no céo não hão-de ser vossos senhores que muito
pode ser que não vão lá: mas quem vos há-de servir no céo é o
mesmo Deus em Pessoa. Deus é que vos ha-de servir no céo, porque
vós o serviste na terra (Vieira, 1948b,v. XII, p. 362).
Com
essa prédica, estaria trocada a fortuna
dos
escravos: cá servindo aos homens,e lá sendo servidos por Deus. Por
essa razão, deveriam trocar o fim de seu trabalho, “fazendo-o de
forçoso a voluntario, e servindo a vossos senhores como a
Christo”(Vieira, 1948b, v. XII, p. 365-366).
Difícil
encontrar justificativa tão conformista sobre a escravidão no
Brasil! Mas notemos também que Vieira escolhe sutilmente as palavras
e a ocasião para atingir os colonos
escravistas
quando assevera que não serão os senhores que servirão os escravos
no céu porque “muito pode ser que não vão lá”. Cabe-nos
indagar, porém, sobre o efeito desta possibilidade transcendental na
soberba e na irracionalidade dos senhores.
Temeriam
eles tal “ameaça”? Trocariam a
sua
condição de mando aqui na sociedade humana pela hipótese de ganhar o paraíso celestial? A resposta a história já no deu.
O texto é longo e esclarecedor, recomendo a leitura. 48
O texto é longo e esclarecedor, recomendo a leitura. 48
Voltando ao cais, no Valongo havia o mercado de escravos, um lazareto onde medicavam os negros que chegavam doentes e o cemitério dos pretos novos, assim chamado por ser o lugar onde eram "enterrados" os mortos recém chegados.
Amnésias sociais (Carta Capital)
Em
1911, com as reformas urbanísticas da cidade comandadas pelo então
prefeito Pereira Passos, o Cais da Imperatriz foi aterrado. Embora a sua
localização estivesse demarcada por uma placa e um obelisco, foi
somente durante as escavações realizadas em 2011, por ocasião das obras
do Porto Maravilha, que os antigos resquícios do Cais da Imperatriz e do
Valongo foram redescobertos.
"A
arqueologia histórica tem por obrigação intervir naquilo que foi
enterrado e deliberadamente ocultado, é um antídoto contra as chamadas
amnésias sociais", afirma a arqueóloga Tania Andrade Lima, do Museu
Nacional/UFRJ, que coordenou os trabalhos de escavação na região.
"Trouxemos à luz o que se queria esconder, para que possamos reviver
esse passado tenebroso, para que aprendamos a lidar com ele. É uma parte
vergonhosa da nossa história, sem dúvida, mas esconder não é a melhor
forma de lidar com ela. É preciso expor a violência praticada ali para
estimularmos a reflexão sobre a perversão do racismo, num momento em que
o preconceito recrudesce no mundo. O Valongo é uma denúncia do que a
humanidade é capaz de fazer contra o outro, contra o diferente."
Por
sugestão das Organizações dos Movimentos negros, o espaço foi
transformado em monumento, aberto à visitação pública, passando a
integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança
Africana, na região portuária, que inclui ainda o Cemitério dos Pretos
Novos e a Pedra do Sal – onde, se acredita, o samba nasceu.
A região
ficou conhecida como "Pequena África".
"O
tráfico e a escravidão africana demoraram séculos e ainda passam mais
como um costume incômodo do que um genocídio. Era como se fosse um
extermínio em massa de baixa intensidade", explica Líbano Soares. "Mas
foi um extermínio."