segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Os traficantes e o Tumbeiro

                                          


Vou valer-me de um trecho do livro " O trato dos viventes - (formação do Brasil no atlântico sul pp 83-85) " do historiador Luís Felipe de Alencastro, como preâmbulo do poema que creio ao ser lido, sucitará emoções diversas nas mentes e consciências, pois essa foi a intenção do poeta,ao escrevê-lo, e como a história sempre está sendo escrita e as desigualdes são agudas neste nosso Brasil, e os efeitos da lei 10.639, ainda não se fizeram sentir, pois o processo de conscientização em nossa sociedade é terrivelmente lento, e vários meios que deveriam estar abertos para debater e esclarecer,estão somente preocupados com altos indíces no ibope para abocanhar vultosas verbas de propaganda e por consequência, lucrarem sobre a massa ignara.

Mas creio, ser a concientização um processo,que por força dos fatos,irreversível, devido estarmos em uma época, que todas as nações que não valorizarem seus cidadãos/cidadãs para obterem com a soma dos talentos individuais um resultado compatível com os tempos atuais de avanços cientifícos e tecnológicos de cunho nunca visto e imaginado,correm o risco de irem para o limbo da história e para a  subserviência total.
Por favor, aqueles que considerarem que estou exagerando na minha maneira de escrever, leia o artigo no pdf anexo, que com certeza ajudará a esclarecer o que digo com dados apoiados em pesquisas e estudos elaborados.

Espero, fazer uma pequena contribuição, compartilhando a leitura do texto do mencionado livro e o poema citado, e se provocar algum abalo,por menor que seja,ou indignar mesmo que seja por um fugaz segundo, já valeu!

"já podeis da pátria filho, . Ver contente a mãe gentil;. Já raiou a liberdade..."


Livro - O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul                                             

" Agregando consórcios familiares e negócios da corte de Madri até os portos da periferia ultramarina, tais redes cosmopolitas derivam da forma segmentada assumida pela cristalização do capitalismo comercial na península ibérica. Resta que, de geração em geração, valendo-se de matrimônios, testamentos e sociedades, personagens importantes das finanças e da política ibérica se envolvem no comércio de escravos de Angola, fazendo transparecer a dimensão globalizante do negócio negreiro no período dos Asientos.

Equipado com cavalaria e os soldados trazidos por João Rodrigues Coutinho, Manuel Cerveira (1603 - 07), seu lugar - tenente e sucessor no governo angolano, ataca de novo Quiçama e a zona de llamba, Libolo Cambembe.
 Desfechando as estocadas rematadas meio século mais tarde pela ofensiva luso - basílica, o novo governador assedia o sobado de Ambuíla, entroncamento dos caminhos entre a costa e a hinterlãndia.

 No término de seu governo, entre 12 mil e 13 mil escravos estavam sendo exportados anualmente da conquista.
 De janeiro a abril as chuvaradas atrasavam a marcha dos libambos (No período colonial, a palavra deve ter sido usada no Brasil no sentido  original que tinha em quimbundo: para nomear fileiras de escravos recém-chegados, em viagem para as fazendas e engenhos do interior ) - colunas de cativos amarrados - para as feiras e os portos (numa variante  reveladora da truculência do quadro social brasileiro, libombo designa ainda hoje no Nordeste as levas de sertanejos que migram para o Sul em busca de trabalho ). Maio, junho e julho não convinham às partidas por causa das tempestades sanzonais da rota leste - oeste no início do verão boreal.
 Meses havia, portanto, em que 1500 indivíduos deixavam para sempre sua gente, sua aldeia, sua terra, empurrados para dentro dos tumbeiros.
Outros tantos indivíduos aguardavam encurralados nas cercanias da cidade, sendo escolhidos, alimentados e, muitas vezes, sepultados ali mesmo.
Cansaço físico, mau tratamento no percurso terrestre, subnutrição e as doenças do porto luandense ceifavam boa parte dos escravos forasteiros, arrancados do platô Ovimbundo e de mais longe.
 Durante quase três séculos, multidões de gentes em pânico eram levadas acorrentadas do interior para ser enfiadas nos navios que partiam de Luanda, maior porto negreiro de toda a história, sem que os europeus ali presentes tenham deixados testemunhos desses fatos.
Há lacunas mais significativas ainda na documentação. Bernard Bailyn sublinhou a "vastidão da nossa ignorância" a respeito das grandes migrações modernas do povoamento da América. Mas o desconhecimento que envolve o tráfico negreiro é de outra natureza.
Aproximadamente 12 mil viagens foram feitas dos portos africanos ao Brasil para vender, ao longo de três séculos, cerca de 4 milhões de escravos aqui chegados vivos (A partir dos dados da tabela 1, acrescentei a mortalidade média por travessia em cada século e calculei uma média de trezentos escravos /navio até 1700, de 350/ navio entre 1701 e 1800, e de quatrocentos escravos/ navio de 1801 a 1850, ver H.S.Klein, the Atlantic slave trade....pp139, 144 - 9.)
Afora os traficantes e os marinheiros, outras pessoas livres viajavam nesses navios, único transporte entre os dois continentes. Existiam poucas cabines nos tumbeiros.
 Á noite e no mau tempo, não se podia correr o risco de permanecer no primeiro convés. Dessa forma, alguns milhares de funcionários régios, comerciantes, colonos e padres viajando as África ao Brasil - para aqui ficar ou buscar transporte até a Metrópole - viram e ouviram o martírio dos deportados muito de perto, durante seis semanas ou mais tempo ainda.
 Não obstante, as referências diretas sobre as travessias seiscentistas se contam na palma de uma só mão.
Um dos raros testemunhos, o do frei Sorrento, capuchinho italiano, deixa entrever a tragédia dos novecentos escravos embarcados de Luanda para a Bahia em dezembro de 1649: "aquele barco [....] pelo intolerável fedor, pela escassez de espaço, pelos grito contínuos e pelas infinitas misérias de tantos infelizes, parecia um inferno". Há outro relato feito poucos anos depois, também de autoria de um  capuchinho  italiano, que dá detalhes sobre a distribuição  dos escravos a bordo.
Para prevenir revoltas durante a travessia, os homens vinham acorrentados no porão, as mulheres no segundo convés, as mulheres grávidas no castelo de popa e as crianças no primeiro convés. Esta navegação é mais dolorosa que existe em todo o mundo", escreve o frei Piacenza.
 Constam mais algumas narrativas no século XVIII e um número maior na primeira metade do século XIX,às vezes compulsoriamente transcritas em  inquéritos. Ao todo, os testemunhos conhecidos sobre tumbeiros portugueses, brasílicos e brasileiros(durante o império) não devem passar de três dezenas.
Muitos provêm de estrangeiros, mas nenhum deles dos padres que viajavam no percurso, os jesuitas portugueses. Por que?
 Porque existiam, certamente,instruções da ordem no sentido de evitar tais narrativas. É o único motivo que encontro para explicar o aberrante silêncio das fontes sobre o assunto: a igreja, os missionarios, os europeus, os brasílicos, sabiam que o drama do tráfico atlântico se desmedia numa época entretanto marcada por guerras e fome na Europa. Sabiam e escondiam;
Repetido ao longo das décadas na mesma Luanda, na mesma rota,para chegar aos mesmos portos brasileiros, o quadro dantesco do tráfico dos africanos distinguia-se do cenário fragmentado e brenhoso do trato de cativos ìndios"

 Navio Negreiro
Castro Alves


 I

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm...
cansam Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar...
Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
 — Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar...
Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . .
Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai?
Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia
.. ..........................................................    

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

             II   

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso,
histórias De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
     
      III

Desce do espaço imenso,ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais...não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí...Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ...Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil...Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

'Stamos em pleno mar
Era um sonho dantesco... o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa dos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia

E chora e dança ali
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanaz!...

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanaz!...

v

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!... 

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...
São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos
Filhos e algemas nos braços,

N'alma lágrimas e fel.
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael...
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

VI

E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no seu pranto...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!..

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!...
...Mas é infâmia demais...
Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!




    

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